Abril Despedaçado revela Velho Oeste nordestino
Sexta, 18 de janeiro de 2002, 17h47
Seu irmão morreu baleado enquanto ele estava sentado em seus ombros. Essa é uma das experiências que o garoto se esforça para esquecer em Abril Despedaçado, de Walter Salles, indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Desta vez, o diretor de Central do Brasil mostra uma vendetta entre duas famílias na virada do século, num Nordeste que mais lembra o Velho Oeste americano. Walter Salles trata da antiga rivalidade entre duas famílias de latifundiários decadentes. Como Central do Brasil, Abril Despedaçado é uma narrativa emocionalmente forte, contada desde o ponto de vista de um garoto. Também como no filme indicado ao Oscar, o novo trabalho de Salles exala uma simplicidade humana que o torna facilmente compreensível pelo grande público, incluindo a platéia internacional. "É surpreendente como um filme de uma latitude tão diferente pode mexer com pessoas vindas de contextos culturais tão divergentes", disse Salles à Reuters, falando das reações que seu filme vem suscitando no exterior. Situado no início do século 20, Abril Despedaçado é a história de uma disputa secular entre duas famílias vizinhas, envolvendo posse da terra. Em consequência dessa briga, sucessivas gerações de jovens são obrigadas a assassinar umas às outras em nome da vingança, da honra e do respeito pela tradição. A POLÍTICA DA INOCÊNCIA Assim como em Central do Brasil, em Abril Despedaçado o espectador vê o mundo através dos olhos de uma criança, e ambos os filmes destacam a fragilidade das condições em que vivem os brasileiros fora dos grandes centros. "Um elemento importante para mim é que a história tenha um narrador cuja perspectiva se caracterize pela inocência", disse Salles. O diretor espera que o enorme alcance conquistado por Central do Brasil tenha contribuído para a conscientização social. "Acho que, sob muitos aspectos, ainda vivemos numa fase colonial, com o poder concentrado nas mãos de poucos", afirmou Salles. "Podemos ter conquistado a democracia política, mas precisamos ampliá-la em muito para chegar à democracia econômica." UMA VISITA FATÍDICA O protagonista da história, a quem sua família chama simplesmente de "menino", passa os dias ajudando seus pais no corte e beneficiamento da cana-de-açúcar, sob sol escaldante. "Somos como os bois", ele pensa. "Ficamos dando voltas e mais voltas, sem nunca chegar em lugar nenhum." Um dia, dois estranhos passam por sua casa pedindo orientação. O homem mais velho acha graça quando descobre que a família do menino não se deu ao trabalho de lhe dar um nome. A moça bonita que o acompanha dá ao menino um presente, um livro sobre sereias. As ilustrações do livro despertam sua imaginação. Nelas, ele encontra uma escapatória da dura lida da fazenda e da repressão de seu pai. O menino teme pela vida de seu irmão mais velho, porque as regras tácitas da disputa entre as famílias exigem que Tonho vingue a morte do terceiro irmão, que morre no começo do filme. Os viajantes simpáticos estão a caminho da cidade mais próxima, onde vão montar acampamento por alguns dias e divertir as crianças locais com apresentações de seu circo. O encontro deles com o menino, a quem o homem dá o nome de Pacu, vai modificar para sempre o precário equilíbrio do ódio mútuo entre as duas famílias inimigas. DEUSES DO CINEMA EXISTEM, SIM Quando a equipe de filmagem chegou à praia onde seria rodada a cena final, o céu estava limpo, não havia vento algum e o mar estava um espelho. "Que pena", pensou Salles. "Eu realmente queria ondas grandes. Queria que o personagem principal se misturasse com aquela qualidade etérea, branca, translúcida de um dia de tempo fechado", contou o diretor. "De repente, começou a soprar um vento frio. Em 20 minutos o céu estava coberto de nuvens, as ondas tinham triplicado de tamanho e todo o ambiente da cena mudou. Foi então que dissemos: os deus do cinema existem, sim!"
Reuters
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