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"Le$bian", "unalive", "yag": Algoritmos conservadores criam "novilíngua" digital

Palavras e expressões são alteradas para driblar censuras automatizadas, transformando a comunicação numa realidade distópica

21 jan 2025 - 22h08
(atualizado às 22h13)
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Foto: Unsplash/charlesdeluvio / Pipoca Moderna

Novilíngua digital

Você já deve estar acostumado a ler notícias sobre influenciadoras de conteúdo adulto. Mas há quanto tempo não vê uma manchete falando de atrizes pornô? A diferença pode parecer sutil, mas revela uma transformação impulsionada por algoritmos que moldam a linguagem digital. Para evitar censuras, termos como "pornografia", "suicídio", "nazismo" e até "gay" vêm sendo substituídos por eufemismos, criando uma espécie de "novilíngua" contemporânea, que lembra o controle linguístico descrito em "1984", de George Orwell.

Palavras alteradas para escapar de censura

No ambiente online, expressões são adaptadas para burlar restrições impostas por algoritmos. "Conteúdo adulto" substitui "pornografia" em redes sociais e plataformas de vídeo, enquanto "unalive" virou sinônimo de "suicídio" no TikTok, onde a palavra original pode acarretar o banimento imediato. Até mesmo "gay" deu lugar a "yag", numa tentativa de driblar o alcance limitado imposto por sistemas conservadores.

Esse fenômeno reflete o poder crescente dos algoritmos em regular a linguagem. Os algoritmos não apenas filtram conteúdo, mas moldam a forma como nos comunicamos, criando uma autocensura que se torna inevitável para os criadores de conteúdo.

Comunidades marginalizadas são as mais atingidas

A censura algorítmica tem impacto desproporcional sobre grupos já vulneráveis. Criadores LGBTQIA+, produtores de conteúdo educativo sobre saúde mental e influenciadores que discutem sexualidade enfrentam dificuldades para alcançar suas audiências. Os youtubers americanos Tyler Oakley e Chase Ross, que produzem conteúdos educativos e de visibilidade para a comunidade, já denunciaram que seus vídeos foram classificados como "impróprios para anunciantes". No TikTok, hashtags como #lesbian e #transgender foram restritas ou ocultadas em determinadas regiões, afetando a capacidade dos criadores de alcançar públicos relevantes. Isso levou influenciadores a usar códigos ou termos modificados, como "le$bian" ou "trans" para driblar os filtros.

Além disso, plataformas como YouTube e Instagram desmonetizam vídeos que mencionam temas sensíveis, mesmo quando tratados de forma informativa. Educadores relataram que posts sobre métodos contraceptivos ou prevenção ao HIV foram classificados como "conteúdo impróprio", sem violar diretrizes explícitas da plataforma.

Essa prática incentiva criadores a reescrever seu conteúdo com novas palavras para se manterem relevantes, mas prejudica discussões importantes.

Conservadorismo forçado

Embora as empresas aleguem que essas práticas são voltadas para evitar conteúdos considerados "sensíveis" ou "inapropriados", os critérios usados para classificação e censura frequentemente resultam em discriminação velada contra discursos que desafiam o status quo, como temas progressistas ligados à diversidade, saúde mental e sexualidade.

Um dos principais alvos é o silenciamento de discursos LGBTQIA+. Criadores que abordam temas LGBTQIA+ relatam frequentemente desmonetização, redução de alcance ou exclusão de seus conteúdos. Palavras como "gay", "trans" ou "queer" são interpretadas por algoritmos como potencialmente inadequadas, enquanto conteúdos explícitos com viés heteronormativo recebem um tratamento diferente, reforçando narrativas normativas.

O algoritmo beneficia conteúdos alinhados a valores tradicionais ou que reforçam o entretenimento leve, deixando pautas consideradas "controversas" ou progressistas fora do radar das grandes audiências. Isso cria um ambiente onde o conservadorismo digital molda o espaço de debate público, promovendo autocensura em criadores temerosos de perder alcance ou receitas.

Apesar das alegações das plataformas de que seus algoritmos são "neutros", a prática mostra que essas ferramentas operam sob diretrizes humanas impregnadas de vieses culturais e políticos. Essa dinâmica também subverte o discurso conservador da defesa da "liberdade de expressão" nas redes sociais, já que tal liberdade chega ao requinte de ser regulada palavra por palavra.

Erosão do debate político

Algoritmos também identificam termos como "nazista", "antifa" ou "comunista" e frequentemente os associam automaticamente a conteúdos polêmicos ou que podem violar as políticas da plataforma.

Embora a censura seja aplicada em ambos os lados do espectro político, há indícios de que termos associados à extrema direita enfrentam menos barreiras quando usados por determinados públicos. Por outro lado, discussões sobre ideologias de esquerda, mesmo em contextos acadêmicos ou neutros, são frequentemente penalizadas. Vídeos que abordam o movimento antifa (antifascista), por exemplo, mesmo que sejam análises acadêmicas ou educativas, enfrentam restrições de monetização.

Organizações de direitos civis já relataram casos em que postagens sobre resistência antifascista foram removidas ou limitadas em plataformas digitais, enquanto conteúdos de cunho ofensivo ou desinformativo sobre o movimento continuaram disponíveis. Episódios relacionados aos protestos em Charlottesville em 2017, quando supremacistas brancos realizaram uma marcha amplamente criticada, foram citados como exemplos de moderação desigual. Usuários também indicam que mesmo discussões educativas ou históricas, como postagens sobre a luta antifascista na Itália durante a era de Mussolini, sofrem limitação de circulação, evidenciando a falta de contexto nos critérios de moderação.

Assim como ocorre em temas sociais e culturais, os internautas já começaram a adotar eufemismos ou códigos para escapar da censura política. Por exemplo, "nazista" tem sido substituído por "n4z1" ou "nz", enquanto "comunista" pode aparecer como "c0mun1st4". Isso não apenas dificulta a transparência das discussões, mas demonstra como a sensação de censura se tornou tangível.

Influência nas notícias

Muitos notaram a diferença de tratamento da "legacy media" sobre Trump. Durante o primeiro mandato de Donald Trump, acusações de flertes com o fascismo e o nacionalismo extremo foram amplamente abordadas pela imprensa americana, mas o tom parece ter mudado significativamente. Nesta segunda-feira (20/1), por exemplo, o discurso de posse do presidente e um gesto controverso de Elon Musk, associado a uma saudação nazista, receberam ampla cobertura, mas as manchetes evitaram mencionar explicitamente as palavras "nazista" ou "fascista".

Essa escolha pode ser explicada pela crescente pressão dos algoritmos sobre as redações e as restrições de alcance das notícias nas plataformas digitais. As postagens com conteúdo "sensível" sofrem limite de visibilidade e potencialmente reduzem o tráfego para os sites de notícias.

Essa dinâmica cria um ambiente de autocensura, em que jornalistas e editores optam por termos mais genéricos ou eufemismos, como "controverso", "polêmico" ou "extremo", para evitar punições algorítmicas. Isso não apenas dilui o impacto de reportagens importantes, mas também dificulta que o público entenda a gravidade de certos eventos.

Uma distopia real

A transformação da linguagem, que começa nas redes e chega ao noticiário, remete à "novilíngua" de "1984", onde o vocabulário era deliberadamente limitado para restringir pensamentos e controlar a sociedade. No contexto digital, o objetivo parece diferente: proteger audiências e evitar polêmicas. Mas o efeito colateral é a mesma invisibilização de temas essenciais.

Essa nova forma de comunicação, embora "criativa", acende um alerta sobre os limites da liberdade de expressão no ambiente digital.

Como em "1984", o controle do vocabulário afeta não apenas a comunicação, mas também a maneira como pensamos e interagimos. A adaptação forçada da linguagem pode ser um sintoma de um ambiente onde até mesmo o ato de falar livremente enfrenta barreiras impostas por sistemas automatizados e programados com viés ideológico e político.

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