Livro reúne críticas sóbrias e emotivas de Mariangela Alves de Lima
'Na Plateia' traz 290 textos de sua autoria no 'Estadão' escritos entre 1972 e 2011
A crítica das artes corre paralela a filosofia, história e sociologia. Pode soar como tautologia, mas, em se tratando do longo exercício da crítica teatral por Mariangela Alves de Lima, a constatação se faz necessária. Porque ao longo de quarenta anos no Estadão como crítica, ela deixou evidente que sua visão da cena se insere numa concepção teatral que vai além da estética. O que nos permite uma panorâmica desta arte dentro de contextos sociopolíticos gerais e, em particular, o da cultura brasileira no que há de criação local e de reverberações do mundo no ato de se representar.
É o que se observa em Mariangela Alves de Lima: Na Plateia (Edições Sesc São Paulo), volume com 290 críticas teatrais produzidas por Mariangela e publicadas no Estadão entre 1972 e 2011. A crítica, como outras atividades da escrita não ficcional, traz em si a questão de estilo, intenção programática e o sentimento do autor diante do que vê. Se no romance se pode imaginar uma realidade, ao se falar de arte cênica do palco há outros fatores em jogo: os artistas, o público e os leitores - no caso, a imprensa escrita.
No histórico da crítica brasileira, há posições as mais variadas, desde a constatação superficial do enredo à preferência por determinado artista e, inevitavelmente, a questões ideológicas. A crítica paulista tem raízes que remontam do modernista Antonio de Alcântara Machado (1901-1935) a outros pioneiros. Mariângela é uma presença, visível e reconhecida, não apenas nessa área como na da pesquisa ao participar da equipe comandada pela incansável historiadora Maria Thereza Vargas no imprescindível Arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo (artes cênicas, arquitetura, fotografia, literatura, e mais). Mariangela está também na série Anos 70 (edição Europa, 1979/1980), publicações coordenadas por Adauto Novaes. Como sabido, foi um período da nossa resistência à ditadura.
Sobriedade
Um dos detalhes do estilo primoroso de Mariangela é a sobriedade, aliada à precisão. Há uma ordenação pedagógico-ondulatória no que discute. A emoção nas entrelinhas com economia valorativa. É o caso exemplar de Macunaíma (1978) encenação de Antunes Filho. O espetáculo foi uma comoção que ela narrou/opinou por partes. Não se trata de frieza, mas de algo mais dissertativo porque, ao fim, abriu-se ao brilho do que assistira: "Está claro que a riqueza desse espetáculo não pode ser explicada apenas pelo modo de produção." Recorde-se que, enquanto estudante de Crítica na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, ela teve, como tarefa curricular, de acompanhar encenações do primeiro ensaio à estreia. Conhece, pois, a engrenagem do que é um instante efêmero que se renova a cada noite.
Em quarenta anos, não deixou passar nada, incluindo encenações alternativas, de periferia ou breves como Santidade, de José Vicente de Paula, no Teatro Oficina - grupo com o qual se identifica. Sem demonstrações ostensivas, é politicamente uma intelectual progressista - e agiu em consequência. Afinal, como perguntou Sábato Magaldi: "Existe bom teatro de direita?". O palco, desde sempre, é o alvo um das tiranias.
Pensadora
Discreta, sutilmente bem-humorada, a ex-estudante de Jornalismo que migrou para a crítica, na mesma ECA, deixou sua marca de pensadora-pesquisadora-filósofa que Edições Sesc consagra acrescentando consistentes introduções de Alexandre Mate, Marta Raquel Colabone e José Eduardo Vendramini.
Não é uma missão das mais fáceis. Otto Maria Carpeaux observou que críticos e criticados se conhecem pessoalmente, convivendo numa atmosfera de amizades e desentendimentos. Ao mesmo tempo, não custa lembrar que Machado de Assis e Bernard Shaw, enquanto jornalistas, foram críticos. O presente volume é, por si só, um monumento ao teatro e à determinação de Mariangela Alves Lima.