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Marieta Severo e Andréa Beltrão reabrem seu Teatro Poeira, no Rio

Exposição interativa, com curadoria de Bia Lessa, vai ocupar todo o espaço para contar a história e o sucesso do projeto das atrizes

9 jan 2022 - 05h10
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Um ato de resistência artística está para completar 17 anos - foi em junho de 2005 que as atrizes Andréa Beltrão e Marieta Severo inauguraram o Teatro Poeira, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Não se tratava de um palco convencional, mas de um espaço que privilegiaria a liberdade para a criação. "Estávamos cansadas de teatros comerciais, que só se interessavam por peças de sucesso", conta Marieta que, como Andréa, investiu as economias guardadas ao longo de uma carreira para construir um lugar que se tornasse referência de qualidade.

É o que poderá ser comprovado na exposição Antes e Depois do Espetáculo, a ser inaugurada no dia 18, e que vai ocupar todos os espaços (incluindo camarins, coxias, plateia) do Poeira e da sala menor, Poeirinha. Com a curadoria da diretora Bia Lessa, a mostra não pretende relembrar apenas as 166 peças já encenadas lá. "Queremos homenagear também as mais de 300 mil pessoas que assistiram aos espetáculos, retribuindo o voto de confiança", completa Andréa.

Para a reabertura, além da mostra, as amigas planejam também retornar ao palco com uma peça tão impactante como a que inaugurou o espaço, Sonata de Outono, instigante drama de Ingmar Bergman. "Queremos provocar", diverte-se Andréa. Foi o que aconteceu no Poeira ao longo de sua história - ali foram encenados espetáculos que incentivaram a plateia a questionar seus próprios conceitos. Foi o caso, por exemplo, de As Centenárias, divertido retrato de suas carpideiras; ou de Incêndios, peça do libanês Wajdi Mouawad sobre a dolorida descoberta da verdade.

"O que nos enche de orgulho é ouvir jovens dizendo que formaram suas ideias a partir dos trabalhos apresentados no Poeira", conta Marieta, lembrando que, além das encenações, o espaço foi ocupado também por dezenas de oficinas, workshops, seminários e cursos. Este, aliás, era um dos pilares do nascimento do Poeira, fruto do diretor Aderbal Freire-Filho, que esteve junto das atrizes desde a fundação do espaço e está temporariamente afastado para se recuperar de um problema de saúde. "O teatro é o Aderbal", comenta Andréa. "Ele está em cada escolha feita, em cada comemoração, nos momentos felizes ou difíceis."

O título da exposição, aliás, foi criado por Aderbal, que iniciou seu planejamento e criou seu conceito - a mostra deveria abrir em 2020, mas a pandemia adiou a estreia. Agora, com forças recuperadas, a homenagem já começa na fachada do pequeno sobrado, que será ocupada por várias fotos, o que expandirá os limites do espaço, até à rua.

"O teatro é o agente transformador da sociedade. Neste momento em que precisamos celebrar a liberdade e a vida, não caberia fazer apenas dentro do teatro, mas também dialogar com a rua e a própria vida", analisa Bia Lessa.

Curiosamente, Marieta e Andréa não se veem como empresárias apenas por administrarem um espaço próprio. "Não vemos o Poeira como uma sociedade, mas um local onde conseguimos viabilizar nossos projetos", explica Marieta, lembrando que ela e Andréia participaram de todas as etapas da construção do teatro. "Eu estava cansada de me apresentar em teatros grandes, com microfone, distante da plateia. Tinha a sensação de que precisava recuperar alguma coisa."

Assim, a dupla, que não usou leis de incentivo, orientou a construção de um palco flexível, com pé direito alto e próximo do público, além de camarins com isolamento. "Tem piso de borracha, depois que Marieta deixou cair um objeto e percebeu que o som ecoava no palco", diverte-se Andréa.

O princípio do Poeira

Se na peça que inaugurou o Poeira em 2005, Sonata de Outono, o assunto tratado foi o delicado relacionamento entre fama e maternidade, agora Marieta Severo e Andréa Beltrão escolheram uma comédia que satiriza os julgamentos arbitrários da sociedade moderna. Trata-se de O Espectador Condenado à Morte, que o romeno Matéi Visniec escreveu em 1985, ainda sob a ditadura de Nicolae Ceausescu.

Trata-se de um texto marcado por situações absurdas ao mostrar um tribunal implacável que desconsidera totalmente a inocência de um suposto acusado, atribuindo-lhe faltas e erros que, curiosamente, o transformariam em inocente. Ao aliar um surrealismo kafkiano com o teatro absurdo de Ionesco (e sem se esquecer do existencialismo de Camus), Visniec transporta o público para uma viagem alucinante da qual ele também faz parte, tornando-se testemunha de um delírio que não se sabe se é verdadeiro.

"Queremos que o Poeira continue com essa vocação para a provocação", comenta Andréa, que ainda não sabe precisar a estreia da peça. Atitude que também marca o papel que ela e Marieta desempenham em Um Lugar ao Sol, novela das 21h da Globo que coleciona elogios pela maturidade com que trata de temas delicados.

"O texto da Lícia Manzo levanta questões de comportamento, mas com um olhar atento para a complexidade do ser humano", comenta Marieta, que vive Noca, uma mulher de 70 anos que está sempre disposta a se reinventar, mesmo com um passado marcado por profundos problemas. "Ela traz a sabedoria da vida, aprendeu com o sofrimento - isso me ajudou muito também no aspecto pessoal", comenta a atriz, cujo companheiro, o diretor Aderbal Freire-Filho, se recupera de um delicado problema de saúde.

Também elogiosa quando se refere às situações criadas por Lícia, Andréa destaca a proximidade que ela cria com o espectador. "Diversas pessoas já disseram que teriam feito a mesma coisa que determinado personagem, ou dito a mesma frase", observa. "Na novela, todos são pessoas precárias em relação aos sentimentos, apresentando defeitos."

A atriz se identifica com Rebeca, modelo que, ao passar dos 50 anos, vive o drama de ter perdido espaço no mundo da moda. "Sou um pouco mais velha que ela mas, em determinado momento, também percebi as mudanças: rugas, menopausa, enfim, alterações nas perspectiva de vida", afirma Andréa, lembrando que a novela já está toda gravada, como prevenção contra eventual parada provocada pela pandemia. "Isso deixou o texto de Lícia ainda mais amarrado."

Estadão
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