7 fatos sobre o histórico show do Iron Maiden no 1º Rock in Rio [LISTA]
Apresentação realizada no dia inaugural do festival quase roubou a cena do Queen e marcou início de longa relação entre banda e país
Um dos shows mais icônicos dos 40 anos de Rock in Rio foi justamente um dos primeiros. O Iron Maiden realizou, para ser mais exato, a quarta apresentação da história do evento, cuja primeira edição aconteceu entre 11 e 20 de janeiro de 1985, numa área batizada de "Cidade do Rock" em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Formada à época por Bruce Dickinson (voz), Dave Murray (guitarra), Adrian Smith (guitarra), Steve Harris (baixo) e Nicko McBrain (bateria), a banda tocou antes de Ney Matogrosso, Erasmo Carlos, Baby Consuelo + Pepeu Gomes e Whitesnake. As duas primeiras atrações acabaram mal recebidas: Ney teve uma recepção nada calorosa à base de ovadas e o saudoso Tremendão ficou tão chateado com as reações negativas que sua segunda apresentação no evento teve data alterada, para um dia menos recheado de som pesado.
Era reflexo, acima de tudo, da ansiedade de um público que mal podia esperar para ver o Maiden pela primeira vez. O Queen fecharia aquele dia inaugural de evento, mas o grupo de heavy metal, um dos poucos artistas estrangeiros a realmente estar em seu auge naquela época, quase roubou a cena.
Confira abaixo 7 curiosidades a respeito da apresentação do Iron Maiden no primeiro Rock in Rio.
1) Negociando com homem de cueca
A participação do Maiden no festival começou já com ares folclóricos. Roberto Medina, criador do evento, conta a peculiar história da negociação em entrevista à revista Showbizz:
"Eu só ando de terno e gravata. Cheguei dessa forma numa casa em Beverly Hills para assinar com o Iron Maiden. Me recebe na porta um cidadão de cueca, com uma barba enorme, cheia de macarrão pendurado. Sentamos para levar um primeiro papo, ele continuou comendo, nem se preocupou em tirar o macarrão da barba."
As tratativas foram positivas. No entanto, o episódio levou Medina a tomar uma importante decisão:
"Nos despedimos, saí, virei para o Oscar [Luiz Oscar Niemeyer, parceiro de Medina] e disse: 'Assim não vai dar, vamos comprar uns jeans, os caras devem estar achando que eu sou do FBI!'."
2) Única banda one night only
Entre os mais de dez artistas internacionais escalados para o primeiro Rock in Rio, apenas o Iron Maiden ofereceu show único. Todos os demais se apresentaram duas vezes.
O mesmo cenário se repetiu entre os nacionais: todos realizaram "dobradinhas" no palco, exceção feita a Rita Lee. A saudosa rainha do rock brasileiro dizia que nem queria fazer aquele show: só aceitou porque circulavam rumores de que estaria doente, com leucemia, não havendo forma melhor de desmentir do que surgir diante do público.
Já no caso do Maiden, tudo indica que eles realmente queriam subir no palco naquele 11 de janeiro de 1985. E só não teve dose dupla porque o grupo estava no meio da World Slavery Tour, que promovia o álbum Powerslave (1984). Em aproximadamente um ano, eles fizeram quase 200 shows de modo tão frenético que o burnout de Bruce Dickinson impediu que o vocalista participasse das composições do disco seguinte, Somewhere in Time (1986).
Para entender o recorte específico de tempo do Rock in Rio:
- antes de tocar no festival carioca, a banda se apresentara quatro dias atrás, 7 de janeiro, em Buffalo, nos Estados Unidos;
- bem no meio da tour norte-americana, fizeram um desvio de 8 mil quilômetros em sua rota para vir ao Brasil;
- tocaram aqui e logo retomaram a agenda na terra do Tio Sam, três dias depois, em 14 de janeiro, com performance em Hartford.
Só tiveram descanso mesmo a partir de julho de 1985, quase um ano após o início da excursão.
3) Noite difícil de Bruce Dickinson
Engana-se quem pensa que foi um show perfeito. Bruce Dickinson, em especial, teve uma série de empecilhos. Artigo do site Igor Miranda destaca:
3.1) Logo na abertura com "Aces High", a voz de Dickinson soa levemente alterada. Em pelo menos dois momentos ao longo do show, foi possível vê-lo assoando o nariz, indicando que ele estaria resfriado naquela noite.
3.2) Em vários momentos Bruce conversa — e até mesmo discute — com microfone aberto, durante solos e introduções. Tudo indica que ele, nesse momento, esteja reclamando de seu microfone, em uma "batalha" que duraria até quase o fim da apresentação.
3.3) Durante "Revelations", quarta música do repertório, Dickinson toca uma terceira guitarra para dar base a Dave Murray e Adrian Smith. Ao levantar o instrumento em uma interação com o público, ele acerta a si próprio entre os olhos, o que lhe rendeu um corte na face. O sangue derramado era bastante perceptível.
3.4) Na sétima faixa do set, "Powerslave", um efeito do palco deveria acender chamas na frente do vocalista, mas pareceu não funcionar direito. Além da demora, o fogo não se apagou como deveria. Coube a Bruce cantar o refrão enquanto pisoteava alguns pequenos focos de incêndio.
Em entrevista de 2022 à Kerrang! (via site Igor Miranda), Dickinson admite que aquela não foi a sua melhor noite. O cantor destaca:
"Foi um show incrível, mas eu estava muito nervoso. Nem consegui dormir depois. Normalmente levo algumas horas para relaxar, mas desta vez estava tão cheio de adrenalina que não passava. A cerveja não teve efeito. Lembro de ficar acordado a noite toda, vendo o amanhecer e ainda estar totalmente cheio de energia nervosa. Você não pode fazer coisas assim com muita frequência ou pode acabar morrendo! Quando finalmente me acalmei, fiquei esgotado. Lembro de pensar depois que não poderia ter feito mais do que aquilo. Não havia uma única célula em meu corpo que não estivesse exausta. E você pode ver isso nas filmagens."
4) Raríssimo momento para solo de guitarra
Bruce Dickinson não foi o único protagonista de um momento inusitado naquela noite. Dave Murray protagonizou algo raro em um show do Iron Maiden, especialmente nas últimas décadas, ao oferecer um momento solo de guitarra.
O momento ligeiramente improvisacional, acompanhado pela bateria de Nicko McBrain, foi executado ao longo da World Slavery Tour. Voltou na turnê seguinte, Somewhere on Tour (1986-1987), mas acabou limado para sempre após isso.
5) Caos como tempero adicional
Os perrengues vivenciados especialmente por Bruce Dickinson naquela noite eram inerentes à realização de um evento de tamanha magnitude, pela primeira vez no Brasil, para um público estimado em 150 mil pessoas. O vocalista, inclusive, acredita que o "caos controlado" tenha servido como um tempero adicional. Em entrevista de 2019 ao jornal O Estado de S. Paulo, ele refletiu:
"Havia mais gente do que eu jamais vi em um só lugar em toda a minha vida. Era uma atmosfera de um pouquinho de caos, talvez não tão organizado quanto a maioria dos festivais, mas isso o tornou melhor. Porque todo mundo estava tão entusiasmado e tão maluco que as coisas estavam acontecendo. Foi um momento fantástico."
6) Conquista da América do Sul em um dia
De toda forma, valeu a pena o esforço do Iron Maiden para adaptar sua agenda, vir ao Brasil e realizar um show daquele porte. Afinal, serviu de vitrine para um público que se estendia a todo o continente sul-americano.
Demoraria até 1992 para que o grupo retornasse e fizesse uma turnê pela América do Sul, com visitas também a Argentina e Venezuela. Outros países, como Chile, só seriam contemplados em anos seguintes. Mas o grupo nunca perdeu o status de "atração de grandes arenas" por aqui. E na opinião de Dickinson, isso se deve à performance no Rock in Rio 1985.
À revista inglesa Kerrang! (via site Igor Miranda), em 2022, ele disse:
"Conquistamos um continente inteiro da noite para o dia com aquele show. Ter o alcance e o perfil que construímos na América do Sul foi simplesmente extraordinário. A América do Norte já tínhamos percorrido. Mesma coisa a Europa Oriental - ainda tínhamos a Rússia para ir, mas isso viria mais tarde. Tínhamos ido ao Japão, Austrália e Nova Zelândia. Agora éramos uma banda global!"
Na ocasião, o cantor complementou:
"Era um longo caminho desde Bolonha, onde aconteceu meu primeiro show com a banda! Eu senti como se o mundo tivesse encolhido. Nós meio que conquistamos todos os lugares. Mas foi um trabalho árduo. A World Slavery Tour foi ótima, mas em um nível pessoal eu pensei: 'Bem, está tudo muito bem, mas não posso continuar com outra turnê de 13 meses.' Acabei viajando no banco de trás criativamente no álbum seguinte, Somewhere in Time, porque eu estava basicamente acabado. Achei que poderia até sair. Não foi o que aconteceu, é claro, embora aquela turnê tenha me deixado completamente esgotado. Mas o Rock in Rio foi simplesmente inacreditável."
Outra banda beneficiada em âmbito continental pela participação no Rock in Rio foi o Paralamas do Sucesso. O trio formado por Herbert Vianna (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) começou a conquistar sucesso em países vizinhos a partir daquela apresentação. À revista Showbizz, Vianna afirma:
"Acredito que o início da nossa carreira internacional se deve ao festival. Nossos primeiros fãs na América Latina foram pessoas que nos viram no festival e voltaram para casa com nosso disco."
7) Relação firmada
Se a conexão com os demais países da América do Sul começou com o show no Rock in Rio, a ligação com o Brasil se fortaleceu e adquiriu um caráter raríssimo na história da música. A sinergia do público nacional com o Iron Maiden é tamanha que o país é o nono em todo o planeta que mais recebeu shows do grupo, com mais de 45 apresentações no total.
Ao todo, o Maiden veio 14 vezes ao país — em cinco ocasiões com passagens pelo Rock in Rio. Além de 1985, viajaram para cá nos anos de 1992, 1996, 1998, 2001 (de novo para o Rock in Rio — gravando um álbum ao vivo), 2004, 2008, 2009, 2011, 2013 (incluindo mais uma vez o RiR), 2016, 2019 (mais uma vez também no festival), 2022 (sim, outra vez no evento) e 2024.
No que diz respeito ao festival, o Maiden é a terceira atração internacional mais escalada para seus lineups: cinco vezes (1985, 2001, 2013, 2019 e 2022). O grupo inglês é superado apenas pelos americanos do Metallica (oito edições, incluindo também Lisboa, Madri e Los Angeles) e Guns N' Roses (seis, sendo cinco no Brasil e uma em Portugal). Desconsideradas as realizações fora do país, ficam empatados com Axl Rose e companhia.
Episódios curiosos marcam a história de amor entre Iron Maiden e Brasil, como o uso de Eddie (mascote da banda) pela torcida organizada Força Jovem do Vasco — com o guitarrista Janick Gers se tornando sócio do clube em 2022 — e a escolha do país para a realização das últimas apresentações com Nicko McBrain. O baterista, que deixou a formação após 42 anos, se despediu do grupo e se aposentou dos palcos após dois shows no Allianz Parque, em São Paulo, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2024.
Toda essa história começou naquela noite de 11 de janeiro de 1985, no primeiro dia do primeiro Rock in Rio.
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