Acusações de plágio fizeram Roberto Carlos proibir equipe de receber gravações de músicas alheias
Para um perito, 'Traumas', de 1971, tem trechos idênticos à canção feita por uma professora do Rio; único compositor a vencer o cantor na justiça com tal acusação morreu subitamente, aos 49 anos, quatro meses depois de ganhar o processo nos tribunais
Músicas são ideias, e ideias estão no ar. São de quem pegar primeiro. Ou: plágios podem ser feitos de maneira inconsciente. Um autor ouve uma canção, fica com uma frase melódica incubada por anos e, então, ela se manifesta de maneira natural, sem que ele sequer desconfie de que aquela sequência de notas não é 100% sua. Ou então, o seguinte: tudo seria apenas coincidência. Duas canções com trechos muito parecidos, em uma terceira análise, surgiriam como fruto da mais pura coincidência.
Todas as hipóteses são possíveis, mas não eximem o autor que registrar a música por último de uma acusação por prática de plágio. Para a Justiça, boas intenções, ou a falta delas, não aliviam atos criminosos. E ainda tem a quarta e mais desagradável das hipóteses: o compositor ouve uma canção e gosta tanto que pensa: "Vou usar um trecho disso em uma música minha. Algo sutil, de forma que ninguém vai saber. Claro que um achado desses, gravado por mim, vai fazer sucesso."
Por movimentar milhões, Roberto Carlos é um alvo com histórico constante de acusações de plágio, a ponto de fazê-lo proibir sua equipe de receber qualquer tipo de gravação de canções feitas por fãs ou compositores em busca de um lugar no cancioneiro do artista. Um desses casos voltou à tona semana passada, desde que a coluna do jornalista Rogério Gentili, do Uol, publicou que o perito Cesar Peduti Filho chegou à conclusão, em um laudo pericial realizado por determinação judicial, que a música Traumas, lançada em 1971 por Roberto, e assinada por ele e Erasmo Carlos, seriam um flagrante plágio. A obra original seria uma canção chamada Aquele Amor Tão Grande, composta meses antes pela professora Erli Cabral Ribeiro Antunes. A reportagem do Estado entrou em contato com Peduti, mas ele respondeu apenas que "em virtude de eu ter sido nomeado perito judicial, como expert de confiança do juiz, e exercer a função de auxiliar de Justiça, não comentarei o caso fora dos autos do processo."
Segundo seus assessores, Roberto recebeu a notícia da decisão do perito com tranquilidade. Ele afirma não ter praticado plágio sobre a canção que recebeu de Erli, já que ela afirma ter entregue a um dos músicos do cantor uma gravação e uma partitura em um show que Roberto foi fazer na cidade de Paraíba do Sul, Rio, nos anos 70. Por meio de sua assessoria, ele disse, dentre outras defesas, que "o processo em questão já tinha sido ajuizado anos atrás pela autora, mas foi arquivado sem julgamento de mérito." Erli quer que o cantor lhe pague uma quantia, ainda não calculada, por danos morais e materiais. Segundo o perito Peduti, haveria na gravação de Roberto "trechos idênticos", mesmo que feitos com a alterações de ritmo e de tonalidade.
Eis o vespeiro: em música, trechos melódicos "idênticos" feitos com alterações de ritmo e tons podem não serem mais tão idênticos assim. Uma harmonia e um ritmo podem transformar completamente a intenção emocional de uma canção. E quais seriam esses trechos idênticos? Estariam eles no "coração melódico" de uma canção, algo decisivo na criação do discurso funcional de uma melodia? Ou seriam em trechos de passagem, sem o mesmo protagonismo? Não é uma avaliação simples.
A reportagem falou com a assessoria de Roberto para saber de sua postura, além das negativas já noticiadas quanto à validade da perícia sobre uma canção lançada em julho de 1971. Se o artista poderia responder à acusação com outro processo, por danos morais? "Não, Roberto jamais processa quem o processa. Ele entende que já está em uma posição privilegiada. E sabe que o espaço que terá quando for provado que não cometeu o plágio será inferior ao que é veiculado com a notícia da acusação. Ele prefere deixar quieto", afirmou uma fonte próxima ao artista.
O biógrafo de Roberto, Paulo César de Araujo, em preparação do quarto livro biográfico sobre o cantor, não vê no artista o maquiavelismo dos plagiadores profissionais. "Os dois artistas com mais casos de acusação de plágio da música brasileira são Roberto e Tom Jobim. É algo muito complicado de se provar. Alguns ouvem trechos de canções e até afirmam terem usado aquilo de alguma maneira. Raul Seixas fez isso, Odair José também. A música pop convive com essas possibilidades há muito tempo. George Harrison, John Lennon, Paul McCartney." Ele não vê uma atitude proposital por parte do artista: "Não vejo Roberto com esse traço. Ele não teria revelado tantos compositores se tivesse a prática do plágio."
Mas ao menos um caso jogou contra a idoneidade do artista. Por quinze anos, a partir de meados dos anos 90, a advogado Sebastião Braga passou a brigar na Justiça com Roberto, acusando-o de ter plagiado sua canção, Loucuras de Amor, para fazer O Careta. Braga foi até à última instância e venceu Roberto. O cantor aceitou pagar R$ 200 mil em um acordo que, se não fosse feito, poderia levar o artista a desembolsar R$ 4 milhões. Quatro meses depois de ganhar o processo, mas antes de pegar o dinheiro, Braga morreu em sua casa, em Niterói, aos 49 anos.