Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Análise: Titãs sairão de turnê reavaliados como a maior banda do rock nacional

A mesma tecnologia que engrandece cobra seu preço: o que era bom fica estupendo, o que era ruim fica pior

17 jun 2023 - 15h14
(atualizado às 21h31)
Compartilhar
Exibir comentários
Os Titãs sairão dos palcos encerrando uma discussão: são eles o maior grupo de seu tempo
Os Titãs sairão dos palcos encerrando uma discussão: são eles o maior grupo de seu tempo
Foto: Reprodução/ Instagram: @titasoficial

É bem mais do que um show aquilo que aconteceu e voltará a acontecer até domingo, 18, sobre o palco do Allianz Parque, diante de 50 mil pessoas. E talvez, antes de falar de sons, enumerar alguns itens extra musicais ajude a compreender o que é que tem feito a reunião dos Titãs, 30 anos depois do início da diáspora ainda em curso, ser a maior turnê brasileira em muitos anos.

Afeto e reconexões com o passado são só a superfície. Os Titãs sairão dos palcos encerrando uma discussão: são eles o maior grupo de seu tempo.

A atual turnê dos Titãs em dimensões que os próprios nunca tiveram em suas carreiras - estádios lotados com 50 mil pessoas, um após o outro, são novidade até para Nando Reis, a maior conversão pop do grupo - é uma pedra rara na história da música de qualquer lugar.

E tudo conta para que a investida que deve estar rendendo muito dinheiro, e é justo que esteja, coloque, enfim, um grupo brasileiro nos padrões monumentais de um Coldplay.

Vale um pouco de flashback: no final dos anos 70, uma turma de amigos se junta para fazer um som no Colégio Equipe, em São Paulo (o filtro social que explica a padronização cromática da banda). A brincadeira dá certo e, em 1984, eles lançam um primeiro álbum com Sonífera Ilha, algo que os leva ao Chacrinha. Já nascem estourados. Surgem a tempo de golpearem a ditadura com sarcasmo, mas se inquietam a cada álbum, como se o grito ainda não tivesse saído. Criam um punk pop concretista sólido e disruptivo, nas falas e no som, até que, enfim, chegam a Cabeça Dinossauro, uma coisa, um troço, um assombro aos jovens classe média católicos de 1986 (quase todos), de rebeldia até ali embalada apenas docemente pela Legião Urbana. Cantar Eduardo e Mônica e mesmo Que País é Esse no ano seguinte era fácil. Difícil era cantar Igreja com medo de ir para o inferno.

Mas aí o tempo passa e esse grupo começa a se dissolver. Sai Arnaldo Antunes em 1992; Marcelo Fromer morre depois de ser atropelado por uma moto em 2001; Nando Reis toma seu rumo folk em 2002; Charles Gavin vaza em 2010; e Paulo Miklos, já um ator, se desliga em 2016. O fato de não ter adotado nenhum regime centralizador, com um ou dois líderes à frente, ajuda os remanescentes a seguirem mesmo desidratados: Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto são os Titãs de hoje (e, pensando aqui, deverá ficar meio estranho vê-los em trio depois que a turnê acabar).

E então, o que primeiro vemos sobre o palco, e por isso a abertura do show é tão poderosa, é a reconexão de pessoas que conhecemos em bloco mas que aprendemos a gostar - de uns mais, de outros menos - individualmente. Indo às audiências mais de superfície: quem não ouviu os discos solo de Arnaldo Antunes (ele iria querer morrer com isso, mas é fato) o viu com os Tribalistas; uma ou duas gerações cresceram com canções de Nando cantadas por ele, Samuel Rosa ou Cassia Eller; o mais cativante de todos, Paulo Miklos, se tornou também um grande ator; e Gavin se encontrou sobretudo como um guardião de boas memórias da música brasileira. Nenhum outro grupo rendeu tanto.

Mas há ainda o show, esse negócio resultante de pessoas que devam cantar e tocar razoavelmente bem para justificarem a expectativa de outras muitas dispostas a responder a isso pulando por duas horas. Não que ali fosse o mais importante, mas o mesmo reencontro que produz unidade cria também divisão porque propicia a comparação. Mais do que nos anos 80 ou 90, sabemos bem quem é quem e os vimos e ouvimos com uma riqueza de detalhes processados digitalmente que nunca pudemos experimentar. O que era bom fica estupendo, o que era ruim fica pior.

Sérgio Britto canta bem Go Back, mas, infelizmente, esse não é seu normal. Ele é um dos que mais interagem com a plateia, mas isso o expõe a deslizes de impulso, como puxar coro fora do tempo em uma canção ou mandar as pessoas tirarem o pé do chão no refrão de Epitáfio, um instante em que elas enxugam as lágrimas e só devem querer mesmo um abraço. Oposto a isso, Miklos tem um palco perfeito, procura as câmeras, fala sem clichês e canta absurdamente bem até nas alturas de Bichos Escrotos. O som do baixo de Nando Reis não vinha com qualidade e sua voz não parecia ter a mesma pressão de outros tempos. Sem os Titãs ele se agiganta. No grupo, apesar de Família e Marvin serem deliciosas e Igreja e Nome aos Bois serem cortantes, não parece ter o mesmo tamanho.

Arnaldo Antunes tem magnetismo infinito e, vê-lo ali, o primeiro a sair do grupo para tentar vida própria, talvez provoque o efeito mais redentor. Houve um tempo em que falar sobre Titãs com ele era quase proibido. "Isso é pergunta de jornalista que não tem pergunta", respondeu uma vez. Hoje, parece divertir-se muito e continua eletrocutando-se com Lugar Nenhum, Comida e Televisão. Sua presença é forte, mas algo parece dizer também passageira - uma espécie de garantia moral de que esta não será uma turnê sem fim.

Mas é Branco Mello a síntese de toda essa história. Ele mesmo conta para a plateia sobre o câncer que o fez ser submetido a uma grande cirurgia na garganta. É evidente que não seja o mesmo e poucos sabem em que estágio seu tratamento se encontra - algo que, ali, não importa mais. Sua voz - um sussurro gritado ou um grito sussurrado, retirado de algum lugar do peito e que talvez não existisse mais em outra pessoa - só pode vir de uma vontade irrefreável de estar vivo. Ele poderia ser poupado de tanto esforço, mas toca contrabaixo e canta uma, duas, três músicas todas as noites, além de fazer todos os backings sem playback, e dança sem parar com as pernas abertas e os braços serpenteados. Como se estivesse entre as 50 mil pessoas da plateia, parece querer justificar algo com urgência enquanto assiste às melhores imagens de sua vida.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade