Anitta é pop: o que explica sucesso da funkeira de Honório Gurgel no exterior
Dona de hits como ‘Show das Poderosas’ e ‘Bang’, Anitta foi a cantora mais ouvida do mundo na última semana; especialistas analisam carreira
De Honório Gurgel para o topo da parada global do Spotify, Anitta sempre tentou ser um expoente da música. Desde 'Show das Poderosas' (2013), quando trouxe para o palco elementos comuns a divas como Beyoncé e Rihanna – entre os quais a troca de figurino e coreografias elaboradas –, a artista deu pistas de onde queria chegar. Agora, com seus recém-completados 29 anos, Anitta tem pela frente o desafio de consolidar terreno fora do Brasil, marca até então só alcançada por Carmem Miranda.
O primeiro lugar na plataforma de streaming de áudio foi conquistado com a música 'Envolver', na última sexta-feira, 25, quando Anitta acumulava ao menos 71 milhões de reproduções. Dados contabilizados pelo Spotify até esta terça-feira, 29, indicam que já são mais de 101,7 milhões de plays. Além do Brasil, Anitta é mais ouvida no Chile e no México.
"Isso demonstra que, pela primeira vez, ela conseguiu visibilidade para além do Brasil em números expressivos", observa Simone Sá, professora da Universidade Federal Fluminense e coordenadora de um grupo de pesquisa que estuda música, internet e os gêneros considerados "pop-periféricos" no Brasil.
Há dez anos atenta ao que tem sido feito nas favelas e subúrbios das grandes cidades com ambição para o pop, Simone acompanha de perto a trajetória de Anitta e o investimento feito para chegar ao lugar de ícone da música – não só brasileira, como mundial. A pesquisadora destaca a força do TikTok para o sucesso particular de 'Envolver'.
"Foi muito interessante ver o TikTok em ação, porque a música tinha sido lançada desde novembro e ela explode no momento em que a gente tem um conjunto de artistas e fãs fazendo a dancinha, dando visibilidade para a música", explica.
A professora Mariana Munis, que dá aula de Marketing e de Comportamento do Consumidor na Mackenzie, lembra que o hit cantado em espanhol não era o grande single de Anitta. Apesar de todo o clipe e coreografia terem sido pensados pela brasileira, não partiu dela nem de sua equipe a difusão do passo que virou "trend" nas redes sociais.
Pelo contrário, a aposta de Anitta para lançar o novo álbum é 'Boys Don’t Cry', música produzida por Burns, que já trabalhou com Lady Gaga e Ariana Grande, e com direção de Christian Breslauer, o mesmo diretor de Lil Nas X, Doja Cat e The Weeknd. A música ainda não teve a mesma repercussão que 'Envolver', mas é recheada de referências que mexem com o imaginário dos norte-americanos, como os filmes 'Titanic', 'Priscila, a Rainha do Deserto' e 'Noiva em Fuga'.
"Além de tudo, a música é um pop punk. E por que a artista adotou esse ritmo? Pois desde o surgimento de Olívia Rodrigo o pop rock voltou a reinar nas paradas de sucesso, principalmente as estadunidenses", acrescenta Mariana.
Mudanças ao longo da carreira
A inclusão de referências internacionais é só parte das mudanças vividas por Anitta ao longo dos últimos dez anos. Na avaliação da pesquisadora Simone Sá, 'Show das Poderosas', hit que lançou Anitta em 2013, já trazia elementos de diva pop. Mas 'Bang!' (2015) e o projeto 'Checkmate' (2018) podem ser considerados investimentos com resultados a serem obtidos no médio prazo.
"Não gostaria de dizer 'Anitta era funk e agora é pop'. O bacana que eu vejo é que ela está articulando essas duas coisas. Em 'Girl From Rio' ela faz isso: põe um trap com referências do Rio de Janeiro. Ela não fica pop no sentido de limpar o território de onde ela vem", observa Simone.
Parte do sucesso internacional vivido pela brasileira pode ser atribuído à decisão de mudar para Miami, nos Estados Unidos. A cidade é considerada estratégica para marcas que começam sua internacionalização pelo país, mas conta pontos para Anitta devido à proximidade com os brasileiros e latinos que moram na região e também por estar próximo de outras cidades importantes, como Los Angeles e Nova York.
Apostar em uma carreira no exterior, segundo a professora Mariana Munis, é como começar do zero e o pensamento deve ser como o de uma startup. Ela explica:
"Aproveitar as oportunidades e lançar sucessos conforme as tendências; prototipando, lançando e ajustando de maneira rápida. Tanto que a cantora disse em algumas entrevistas que, depois de ir aos Estados Unidos, regravou várias músicas para seu novo álbum, pois entendeu que tinha agora oportunidades muito melhores e que precisava se adequar mais ao público novo", diz.
Também agregam para a nova persona de Anitta participar de programas talk shows e abordar assuntos engraçados e que repercutem – como a história do affair com um jogador de NFL, esporte amado pelos estadunidenses. Mariana acrescenta ainda a imagem mais leve e sofisticada que Anitta passou a adotar.
"Isso também ocorre, pois ela se dedica mais ao seu lado artístico e entregou o gerenciamento da carreira ao empresário norte-americano Brandon Silverstein, pois entendeu que não consegue sozinha abrir algumas portas", destaca.
Anitta é a nova Carmem Miranda?
Única brasileira a conquistar algum prestígio internacional depois de Carmem Miranda, Anitta ainda tem mercado para crescer, de acordo com a pesquisadora Simone Sá. Autora de uma tese de doutorado sobre o ícone de Hollywood dos anos 1930/1940, ela dispensa qualquer projeção que envolve as duas brasileiras.
Apesar de Carmem Miranda ter se tornado estrela dos filmes americanos, com o maior salário feminino da indústria hollywoodiana, não dá para dizer que Carmem abriu portas para outras brasileiras – neste caso, a própria Anitta. Por outro lado, Simone observa que alguns dos dilemas de Carmem Miranda às vezes aparecem em Anitta, como a dúvida: ser uma cantora brasileira, uma cantora latino-americana ou uma cantora global?
"Fica claro como é difícil conquistar o mercado internacional. A Carmem Miranda vai, mas mesmo assim ficou estereotipada como a latinoamericana das frutas na cabeça. Vejo a Anitta tentando lidar com isso, e aí, sim, Anitta talvez tenha a possibilidade de articular múltiplos papéis. Talvez ela consiga ir além dessa imagem de latina. (...) Não é deixar de ter marcas brasileiras, mas poder circular no topo do olimpo sem que sua identidade seja o tempo todo acionada", acrescenta.