Bad Bunny leva salsa e plena para o topo das paradas; Por que isso importa?
Com sucesso global de novo álbum, artista de Porto Rico traz gêneros tradicionais e valorização da cultura local para o centro dos holofotes
Artigo publicado em 20 de janeiro de 2025 na Rolling Stone. Para ler o original em inglês, .
Na última semana, a música que alcancou o primeiro lugar das paradas foi do gênero musical plena.
Em 11 de janeiro, a faixa-título do mais novo álbum de Bad Bunny, Debí Tirar Más Fotos, assumiu o primeiro lugar na Apple Music. No dia seguinte, alcançou o primeiro lugar na parada global do Spotify — e permanece na primeira posição em ambas as plataformas. A faixa também quebrou o recorde de música em espanhol a alcançar o primeiro lugar na maior quantidade de países na história do Spotify.
"DtMf" é tocada no estilo de música folclórica afro-porto-riquenha de plena, um gênero com o qual as pessoas que não são de Porto Rico geralmente não estão familiarizadas. Embora bem conhecida na ilha e um pilar em eventos culturais na região, plena nunca viu um sucesso comercial mainstream. Antes de "DtMF", nenhuma música do gênero havia alcançado nenhuma posição nas paradas.
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MAG, como é conhecido o produtor Marco Borrero — que assina grande parte do catálogo recente de Bad Bunny —, disse à Rolling Stone que o sucesso da música foi uma surpresa.
Eu não esperava essa reação, essa recepção. O que está acontecendo com 'DtMF' parece um movimento cultural. E parece que o mundo está nos abraçando e abraçando Porto Rico; e de uma forma tão linda", ele diz.
Embora "DtMF" seja o número um no mundo, muitos ouvintes podem nem saber que gênero estão ouvindo. O lançamento dos visualizers do álbum no YouTube (escritos pelo acadêmico porto-riquenho Jorell Mélendez Badillo) ofereceu ao público um contexto histórico para a música.
Em "DtMF", que atualmente tem mais de 25 milhões de visualizações, o vídeo inclui uma história abreviada da plena e da bomba, outro gênero popular entre os porto-riquenhos. O clipe explica que a prática cultural de bomba (música e dança) surgiu em comunidades de africanos escravizados em Porto Rico e seus descendentes. Cerca de 25 anos após a abolição da escravidão em Porto Rico (1873), outro gênero afro-porto-riquenho surgiu conhecido como plena. Ao contrário da bomba tradicional, a plena geralmente inclui vocais (bem como diferenças em tambores e instrumentação).
Em "DtMF", Bad Bunny decidiu fazer "vocais de gangue com todas as crianças que agora chamamos de 'sobrinos'", explica MAG, referindo-se ao grupo de estudantes da Escuela Libre de la Musica de Porto Rico que aparecem em várias músicas do álbum.
Embora o artista tenha misturado gêneros antes, este álbum se baseia especificamente em tradições musicais porto-riquenhas menos conhecidas e as trouxe aos holofotes globais de uma forma sem precedentes.
Espero que o legado deste álbum… torne aqueles sons folclóricos muito tradicionais mais aceitos no mainstream. E acho que a alegria que ele encontrou naquela sala com aquelas crianças, dando vida ao seu sonho foi contagiante", disse o programador de música latina da Apple Music, Jerry Pullés, à Rolling Stone.
Salsa nos holofotes
O álbum também apresenta predominantemente salsa nas faixas de abertura — "NuevaYol" — e de encerramento — "La Mudanza" —, além da líder das paradas "Baile Inolvidable", que alcançou o número 1 na Apple Music em 9 de janeiro antes de ser ultrapassada dois dias depois por "DtMF". Ao atingir a marca, "Baile Inolvidable" se tornou a primeira música de salsa a alcançar o primeiro lugar nas paradas globais da plataforma de streaming.
A salsa se baseia em ritmos afro-caribenhos e surgiu das comunidades latinas pobres em Nova York na década de 1960. Embora a salsa tenha alcançado mais sucesso comercial do que gêneros folclóricos como a plena, era "em muitos aspectos comparável a como as pessoas pensavam sobre o reggaeton quando ele começou", explica Petra Rivera-Rideau, professora associada de estudos americanos no Wellesley College e acadêmica especializada em música latina.
O reggaeton inicial, assim como a salsa e a plena antes dele, era frequentemente desvalorizado por causa de suas origens em comunidades negras da classe trabalhadora. Como um dos artistas mais populares do mundo, Bad Bunny reuniu esses gêneros historicamente marginalizados em um álbum como parte de uma declaração política maior.
Debí Tirar Más Fotos está repleto de mensagens alertando sobre o risco de que a cultura porto-riquenha — incluindo sua herança musical — possa desaparecer como resultado da migração forçada para fora da ilha e da gentrificação nela. Essas mensagens claramente ressoam com os ouvintes.
O chefe de música do Spotify para a América Latina, Maykol Sanchez, disse à Rolling Stone que o sucesso do álbum é sua autenticidade.
A partir do momento em que você aperta o play, fica claro que Bad Bunny está enviando uma mensagem. Seja você latino ou não, o álbum ressoa porque tem um objetivo claro: oferecer uma representação poderosa e genuína de Porto Rico. Bad Bunny não está apenas celebrando a cultura e a herança de seu povo, mas também está lançando luz sobre suas realidades atuais", diz Sanchez.
A resistência de Bad Bunny
Até mesmo a animada "Baile Inolvidable" — que Bad Bunny disse à Rolling Stone ser sua "[música] favorita do álbum" — tem um significado profundo para além de ser a primeira música de salsa número um da história. A faixa é uma salsa instrumental ao vivo de seis minutos na qual Bad Bunny é acompanhado pelos músicos estudantes da Escuela Libre de la Musica de Porto Rico e também pelos vocalistas do grupo Los Pleneros de la Cresta.
O diretor do videoclipe de "Baile Inolvidable", Kacho López-Mari, explica que a inclusão de músicos estudantes "faz parte da mesma resistência e luta que estamos promovendo. Queremos que a educação pública continue. Não queremos fechar a Escuela Libre de la Musica."
No outono passado, na véspera das históricas eleições para governador de Porto Rico, López-Mari dirigiu um anúncio político pró-educação pública que foi conceituado e patrocinado por Bad Bunny. Porto Rico está no meio de uma crise educacional, já que mais de 600 escolas públicas foram fechadas nos últimos dez anos, e o artista queria abordar essa questão e chamar a atenção dos partidos políticos responsáveis pelos fechamentos.
López-Mari disse à Rolling Stone que eles filmaram parte do anúncio pró-educação na frente da mesma escola que os alunos de "Baile Inolvidable" e "DtMF" frequentavam.
Agora, os alunos desta escola estão na música número um do mundo. Não se trata apenas de celebrar a música salsa, há também uma declaração sobre a educação pública, há uma declaração sobre a fé que Bad Bunny tem nessas crianças de Porto Rico."
Bad Bunny disse à Rolling Stone:
Há muitos jovens fazendo salsa. E em Porto Rico sempre houve. Em Cuba também... Acho que é uma questão de visão e objetivos que os artistas têm. No nível mainstream, já que não há nada acontecendo com salsa, às vezes os artistas dizem 'Bem, este é o mercado que podemos acessar.' E então eles fazem boa música, mas você não sente a rua e a essência."
Com essas músicas número um e este álbum de forma mais ampla, o artista fez movimentos ousados para tentar remodelar esse mercado, um verdadeiro investimento no futuro dos jovens músicos porto-riquenhos que estão mantendo as tradições culturais vivas.
Referindo-se a "Baile Involvidable", Bad Bunny disse à Rolling Stone : "Essa música foi um sonho que se tornou realidade porque eu tinha essa música na minha cabeça há muito tempo. Eu ouvi esse sintetizador quando estava trabalhando em Un Verano Sin Ti (2022) e, com o sintetizador sozinho, eu disse 'Isso é uma salsa.'"
MAG descreveu esse sintetizador na introdução, que representa cerca do primeiro minuto da faixa de seis minutos: "Começa realmente misterioso e então faz a transição para uma salsa. E então essa é a versão de Benito para a salsa."
Embora as interpretações de Bad Bunny sobre salsa e plena não sejam tradicionais, "há uma ligação direta das plenas da velha escola com o que Bad Bunny está fazendo neste álbum. Ele está trabalhando com pessoas que estão profundamente investidas em defender a história da plena, como Los Pleneros de la Cresta — um grupo que se uniu precisamente para encorajar a mudança social por meio de sua música", diz a professora Rivera-Rideau.
A plena de "DtMF" quase não entrou no álbum. Como MAG disse à Rolling Stone, "Benito sentiu como se tivesse o álbum e a lista de faixas prontos".
Então, fizemos uma noite de parrandas [cantos natalinos porto-riquenhos] e eu voltei para o meu hotel e não conseguia dormir. Eu estava ouvindo bomba e plena circulando na minha cabeça. Às 8h, com pitorro [bebida alcoólica tradicional] saindo da minha respiração, pensei: 'e se tentarmos plena, mas do nosso próprio jeito'. Então enviei uma mensagem de voz para Benito e ele disse: 'Gosto muito da ideia'.Fomos para o estúdio e eu disse que a música deveria ser gravada ao vivo. Então trouxemos a banda dos alunos. Eu estava cantando, Benito estava cantando. Todos estavam na sala ao vivo se divertindo muito. Gravamos uma plena ao vivo e foi simplesmente um momento muito comemorativo e lindo. Foi a sessão mais linda da qual já participei."
Embora "DtMF" seja predominantemente uma música sobre perda e apreciação de momentos com entes queridos enquanto você ainda os tem (o que se conecta às mensagens do álbum sobre uma Porto Rico em processo de gentrificação, correndo o risco de perder seu povo e sua cultura), a música reflete a complexidade, a alegria, o amor e a dor da vida em Porto Rico.
Compartilhar gêneros porto-riquenhos com o mundo permite que Bad Bunny amplifique o chamado para não apenas apreciar, mas preservar a cultura porto-riquenha e Porto Rico em si.
Eu sei que essas músicas já estão expondo o mundo aos sons de Porto Rico, o que já é uma vitória. Há muito mais que compõe todos os gêneros musicais de Porto Rico além do reggaeton. Espero que isso inspire mais artistas de Porto Rico e de outros países a olharem para dentro de sua cultura e sua música e se inspirarem nisso.", reflete MAG.
Vanessa Díaz é professora associada de Estudos Chicana/os e Latinos na Loyola Marymount University e cofundadora do Bad Bunny Syllabus Project.
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