Bon Jovi se arrasta em disco para massagear o próprio ego, mas sem muito fôlego (ou voz)
Com 16° álbum de estúdio, 'Forever', banda de Nova Jersey repete fórmulas do passado em um álbum mais corajoso do que ajuizado
Certa noite, Jon Bon Jovi acordou inspirado. Sentou-se no chão do quarto, ao lado da cama, com um bloquinho de anotações e uma caneta, cantarolando o trecho da música que havia sonhado.
Na manhã do dia seguinte, desceu as escadas da casa, vestido apenas as roupas de baixo, repetindo a melodia criada durante a noite para não deixá-la se perder no mundo dos sonhos. Encontrou a esposa e com Billy Falcon, parceiro de composições com mais de três dezenas de colaborações desde o ano 2000.
Cantou toda a estrofe e questionou o parceiro sobre qual seria o refrão para conectar com o que cantara: "I wrote you a song", respondeu Falcon ("eu escrevi uma música para você", em tradução livre).
Esse não só é o refrão, mas o título de uma das músicas de Forever, o novíssimo álbum da banda de Jon, Bon Jovi, um disco adoravelmente descartável de uma discografia mais corajosa do que ajuizada, que chega às plataformas digitais nesta sexta-feira, dia 7.
Aos 62 anos, Jon sorri. "Um homem pode escrever um bom refrão apenas de cueca", diz ele, em um vídeo publicado no canal de YouTube da banda.
O vocalista do Bon Jovi conta essa e outras histórias em uma série de vídeos curtos (alguns deles com menos de um minuto de duração) no YouTube, enquanto detalha cada uma das 12 faixas do novo disco.
Uma banda imparável
Bon Jovi se recusa a parar, mesmo que a decisão coloque em risco o próprio legado. Não por acaso, a banda se mantém ativa no estúdio para gravar músicas inéditas com uma frequência de fazer inveja até os mais jovens - Forever, veja só, é o quarto álbum em dez anos.
Há tempos, bandas veteranas contemporâneas, ou até mais novas do que o grupo de Jon, já entenderam um movimento do mercado de desaceleração na criação de músicas inéditas. O Aerosmith que o diga: a cada nova turnê com novo álbum, Joe Perry, guitarrista da banda, reclamava da reação morna ao material recente.
Jon, contudo, se mantém em uma jornada de autoafirmação. Na última turnê do grupo antes de uma pausa para o vocalista realizar uma cirurgia nas cordas vocais gastas pelos agudos roucos de músicas dos anos 80, como Livin' on a Prayer, a banda tocava pelo menos cinco músicas de 2020, o álbum mais recente até então, uma quantidade considerada alta (até demais), para turnês de bandas com masi de três décadas de existência.
Afinal, é improvável que um fã médio do Bon Jovi saiba dar o nome de três canções do disco de 2020. Esquecível tal qual foram What About Now (2013), Burning Bridges (2015), This House Is Not for Sale (2016), os álbuns dessa safra mais recente.
E a insistência de Jon pode ter uma justificativa em uma batalha incessante para conseguir um novo hit, como aconteceu com It's My Life, música lançada em 2000, quando os tempos áureos do Bon Jovi haviam ficado na década de 80.
Um quarto de século já se colocou entre It's My Life e o álbum Forever. E Jon Bon Jovi segue inabalável no ofício de fazer canções e turnês.
Um repertório repetido
O 16° disco do Bon Jovi sofre dos mesmos males da safra recente, ao soar como se a banda raspasse a panela de arroz para recuperar até os últimos grãos - restam agora, os pontos queimados e grudados no metal.
O grupo vem, aos poucos, se tornando um pastiche de si. Living Proof, por exemplo, é "o rock que vocês pediram", anuncia Jon aos fãs. A música é puro suco de Bon Jovi com uma desavergonhada repetição de padrões: da escolha do talkbox (o instrumento que transforma a voz em ruído, usado em Livin' On a Prayer), ao solo de guitarra de Phil X, em uma tentativa exagerada de recriar a potência e estilo de Richie Sambora, o guitarrista original da banda, desligado do grupo em 2013.
Ao longo destas músicas, Bon Jovi é constantemente autorreferente, em uma egotrip tamanha que justifica a criação de um disco apenas para se automassagear: vide We Made It Look Easy e My First Guitar, ambas composições dedicadas a olhar para o passado.
Legendary, um rock acelerado de refrão pop, celebra a jornada até aqui: "Consegui o que eu queria, consegui o que eu precisava", canta Jon, com vocais de apoio nos momentos mais críticos, para abafar as insuficiências da voz nas notas mais altas.
Se Waves e Seeds se misturam, esquecíveis, com vocais maçantes e composições genéricas, a sexta faixa do álbum se destaca pela pessoalidade. Kiss the Bride é dedicada ao casamento da filha de Jon, Stephanie. Uma balada doce, de melodia suave e versos autobiográficos. Em tempos de mais popularidade do Bon Jovi, talvez a música se disseminasse por casamentos afora. Em 2024, a música deve se perder na multidão de singles lançados às toneladas diariamente.
Forever chega na segunda metade em uma forma estranha. Walls of Jericho é uma música religiosa, com corais e grandiosidade, enquanto The People's House tenta pregar a unidade política em tempos de polarização.
As limitações vocais de Jon após a cirurgia, e extensamente tratada no documentário Thank You, Goodnight: A História de Bon Jovi, disponível no Star+, pesa para a uniformidade do álbum. Há momentos na balada folk Hollow Man, durante as estrofes que antecedem o refrão, nos quais a voz de Jon se confunde com a de Bob Dylan - o que não é necessariamente um elogio.
Com recursos reduzidos, ele também não tem mais parceiros de outrora ao seu lado, com a saída definitiva do guitarrista Richie Sambora, figura importante para a sonoridade da banda. Sobram melodias demasiadamente fáceis, quase formulaicas, de refrões com notas altas e estrofes cadenciadas.
Por fim, Forever massageia o ego de Jon e sua resistência. "Dezessete anos, eu sou uma estrela da rock", ele canta em My First Guitar. Jon é roqueiro na essência e merece os elogios, inclusive, por chegar até aqui.
Com mais de seis décadas de vida, o roqueiro faz questão de provar estar vivo e pronto, mesmo que ninguém diga o contrário, com mais coragem do que juízo, como se ainda fosse um adolescente.