Dead Fish reflete sobre o hardcore: 'Labirinto da Memória' é uma carta ao Brasil atual [ENTREVISTA]
A banda fala sobre o novo álbum, turnês e os desafios de manter o punk relevante em grandes festivais
Consagrada como uma das maiores bandas de hardcore do Brasil, o Dead Fish carrega em sua trajetória mais de três décadas de música engajada. Nascida em 1991, em Vitória (ES), a banda começou como um grupo de amigos skatistas que aprenderam a tocar juntos. Desde então, consolidou-se como um dos principais nomes do gênero, com letras que abordam temas como saúde pública, desigualdade, preconceito e violência.
Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, Rodrigo Lima e Ricardo Mastria falaram sobre o processo criativo do álbum Labirinto da Memória, lançado em janeiro, e as recentes turnês no Brasil e na Europa, além de refletirem sobre o papel do hardcore em tempos de polarização política.
O disco reflete sobre o passado, mas sem nostalgia. Não é sobre dizer que antigamente era melhor, porque não era. É sobre criar um chão, um alicerce para seguirmos em frente. A gente vive em um país que esquece a própria história, então quisemos usar nossas memórias para construir algo significativo," afirmou Rodrigo.
Uma banda com história
Com mais de dez álbuns no repertório, o Dead Fish já passou por diferentes fases. De forma independente, lançou Sirva-se em 1998 e, no início dos anos 2000, ganhou destaque com discos como Sonho Médio (1999) e Zero e Um (2004). Esse último trouxe projeção nacional, levando o grupo a vencer o prêmio de Banda Revelação no VMB da MTV Brasil.
Nos anos seguintes, a banda acumulou prêmios e lançou álbuns marcantes como Contra Todos (2009) e Ponto Cego (2019). Em 2022, o projeto 30+1 celebrou as três décadas de carreira com uma trilogia de discos ao vivo, resgatando diferentes momentos de sua trajetória.
'Labirinto da Memória': entre o pessoal e o político
O décimo álbum de estúdio da banda, Labirinto da Memória, é uma viagem pelas reflexões pessoais de Rodrigo e pelas tensões políticas do Brasil contemporâneo. Inspirado pelo livro Realismo Capitalista, de Mark Fisher, e pelo álbum Roteiro Pra Anöuz, de Dom L, o disco combina melodia e peso de forma única.
Essas influências me ajudaram a conectar memórias e histórias do Brasil, mas sem aquele saudosismo que para no tempo. A ideia era resgatar o passado para criar algo novo, sem ficar refém da nostalgia," explicou Rodrigo.
Ric comentou sobre o processo de composição: "Foi muito colaborativo. Rodrigo chegava com as letras e, juntos, ajustávamos as melodias. Nesse álbum, tentamos algo diferente, trazendo mais melodia, mas sem perder o peso que caracteriza o hardcore. A gente queria que o álbum soasse como uma conversa, direta, sem filtros."
A música Dentes Amarelos foi destacada por Rodrigo como uma das mais simbólicas do álbum. "É sobre amadurecer em um país como o Brasil, onde os desafios são diários. Fala sobre encarar as dificuldades e aprender com elas, mesmo que doa. É um reflexo do que vivemos como banda e como pessoas,"disse.
Do Brasil para o mundo
Antes do Rock in Rio, o Dead Fish passou por uma turnê europeia, tocando em cidades como Berlim, Londres e Dublin. Ric relembra a recepção calorosa dos brasileiros no exterior, mas também destaca a curiosidade do público local:
Na Alemanha, várias pessoas vieram falar comigo sobre como tocamos. Mesmo sem entenderem o idioma, sentiam a energia da música. Isso é algo que o hardcore tem de especial - ele transcende a barreira da língua e conecta as pessoas pela intensidade.
Rodrigo destacou um momento especial na turnê: "Tocamos no New cross Inn, em Londres, bem em frente à Universidade de Greenwich, onde o Mark Fisher dava aula. Foi muito simbólico, considerando o impacto que ele teve na criação do álbum. Era como se tudo se conectasse."
Hardcore no mainstream
O show no Rock in Rio, realizado em setembro, foi um marco importante na trajetória da banda. No palco Supernova, o Dead Fish entregou um setlist que combinava músicas do álbum novo com clássicos como Zero e Um.
A entrevista com o Dead Fish foi realizada antes do Rock in Rio, quando Rodrigo e Ric compartilharam suas expectativas para a apresentação no palco Supernova. Agora, com o festival já realizado, o show se consolidou como um marco na trajetória da banda.
Vamos tocar 30 minutos, e isso para a gente é um sprint. É direto e rápido, o que é bem a cara do hardcore. Queremos condensar o que temos de melhor para fazer um show que conecte o público com as nossas músicas novas e também os clássicos," afirmou Rodrigo.
Durante a conversa, Rodrigo e Ric também falaram sobre os desafios de dialogar com um público diverso em grandes festivais: "O punk e o hardcore sempre caminharam em paralelo ao mainstream. Não é fácil furar essa bolha, mas o impacto que causamos em cada show mostra que vale a pena tentar."
Olhar para o futuro
Com o Rock in Rio no passado e o álbum Labirinto da Memória consolidado, a banda já faz planos para novas aventuras. Ric menciona o desejo de explorar mercados como Japão e Austrália: "Seria incrível levar nossa música para públicos tão diferentes. O hardcore tem uma força universal que se adapta a diferentes culturas."
A gente nunca quis ser apenas uma banda, sempre foi sobre movimento, sobre conexão. Olhando para trás, dá pra ver o quanto construímos, mas o que importa mesmo é o que ainda podemos fazer. Hardcore não é só música, é resistência.