Expulsa de casa pela mãe por causa da música, pianista compõe para as mulheres
Catarina Domenici teve obras estreadas no King's College e no Royal Albert Hall
Catarina Domenici nasceu há 57 ano, em São Miguel Arcanjo, município de 5 mil habitantes, na região de Sorocaba, no interior do Estado de São Paulo. Apenas nos últimos sete anos conquistou a plena afirmação pessoal e profissional, porque se afirmou como compositora. Em 2019, sua canção Marielle Presente integrou um álbum dedicado a mulheres compositoras e, de lá para cá, teve duas obras para orquestra encomendadas e mundialmente estreadas na Capela do King's College e no Royal Albert Hall há apenas alguns meses. Catarina também está lançando Ciranda das Mestras, com peças para piano nomeando as mulheres que marcaram sua vida. E ainda Mosaico para orquestra sinfônica e coro, que estreia dia 11 de dezembro no Teatro Municipal de São Paulo.
A mãe, que a queria médica, a expulsou de casa aos 16 anos. "Disse que queria fazer música 24 horas por dia. Diante disso, ela decretou que eu não era mais sua filha." Com apenas uma "mochilinha", ela se matriculou com bolsa no Conservatório de Tatuí. "Eu mesma fazia minhas roupas com retalhos doados. Por muitos dias, minha única refeição era uma broa de milho e um copo de café com leite". Sobreviveu tocando em bandas de baile.
O curso de música na Unesp a fez focar na música contemporânea (integrou o Piap, Grupo de Percussão da Unesp liderado por John Boudler, com o qual ganhou o grande prêmio numa edição do Concurso Eldorado). Dali em diante, fez história, com mestrado e doutorado nos Estados Unidos, se afirmou como pianista e é desde 1993 professora de piano na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Sua última batalha foi a "profunda crise pessoal e profissional" em 2015 para se afirmar como compositora, território eminentemente masculino. Compor, para ela, é "integrar todas as minhas múltiplas vivências musicais que por muitos anos haviam sido artificialmente separadas. E ter consciência de que uma pessoa do gênero feminino é estar no olho desse furacão". Um furacão que inclui "assédios sexuais constantes". "Em nossa cultura machista, a atuação em público, num palco, confunde-se com disponibilidade sexual."
Hoje, Catarina se sente vitoriosa por "ter coragem para assumir que faço música porque gosto, porque me dá prazer, e porque necessito disso para viver no sentido mais profundo. No deserto nunca estamos sozinhas, porque estamos em muita boa companhia com milhares de mulheres que vieram antes e foram exiladas por romperem com esse estereótipo opressor".
O círculo dolorido, porém virtuoso da musicista, se completa-se com Letters to my mother, quatro comoventes canções catárticas intituladas Vínculo, Máscara, Ferida e Adeus e dirigidas à mãe, com lançamento de EP marcado para breve.