'Gosto quando dizem que sou caso de marketing': 20 minutos na presença de Anitta
Tida como rainha do pop brasileiro - e de olho no mercado internacional - cantora, que é também sua própria empresária, recebe BBC Brasil em seu camarim: 'Não sou escrava de nada, nem da beleza, nem de sucesso...Faço o que me dá na telha'.
O celular vibrava sem parar, o secador chiava e ela estava cercada por pessoas cuidando do cabelo e da maquiagem. Tanto que não houve qualquer contato visual entre entrevistadora e entrevistada. Ora porque os olhos dela estavam fechados para serem maquiados, ora porque entre ambas havia o maquiador e o cabelereiro.
A vida de Larissa de Macedo Machado não tem pausa desde que abandonou o nome do batismo, há sete anos, e passou a atender por Anitta.
Dividindo a vida entre os cerca de 16 shows que faz por mês, um programa de TV semanal ao vivo, compromissos internacionais e os lançamentos de músicas que a mantêm no topo das mais tocadas do Spotify (o mais popular serviço de streaming) no ano, ela tem uma rotina cronometrada - assim como foi nossa conversa. Isso porque hoje, além de música pop, a cantora de 24 anos faz o marketing, a publicidade, a comunicação e a administração de sua própria carreira.
"Eu fico feliz quando vejo que as pessoas acreditam que eu seja um caso de marketing, porque sou eu que faço meu marketing", disse à BBC Brasil enquanto se aprontava para comandar seu programa de TV no canal Multishow.
"Estudei marketing, me formei em administração num curso pré-faculdade, tive aula de marketing, todo meu marketing sou eu que planejo, sou eu que faço...me sinto elogiada quando vejo as pessoas dizendo isso."
Suas respostas revelam o cuidado que tem com sua imagem. Ao longo de 20 minutos de conversa, Anitta faz algumas pausas antes das respostas e até interrompe algumas falas para reformulá-las, como quem está calculando as palavras que vai dizer.
Pelo WhatsApp, ela mantêm contato com a equipe que faz sua assessoria, a que agenda suas apresentações, a que cuida dos compromissos publicitários, a que define seu marketing, e nada sai sem o seu OK. É quase uma "onipresença de Anitta", com a licença do trocadilho com o título da série (Presença de Anita, da TV Globo) que inspirou seu nome artístico.
Nesse ritmo de "faz tudo", Anitta também responde pessoalmente comentários e críticas na internet, e seu tom direto tem repercutido bastante nas redes sociais - para muitos, ela virou "a mulher que fala o que pensa".
Não é à toa que Anitta é a única artista brasileira na lista do Social 50 da Billboard americana, ranking que mede a popularidade de famosos nas mídias sociais - está em 15º lugar, na frente de Shakira (16º) e até de Beyoncé (30º) e Lady Gaga (36º).
'Não confio em ninguém'
Desde que rompeu com sua ex-empresária Kamilla Fialho, na metade final de 2014 (as duas estão em uma batalha judicial: a cantora a acusa de desvios, enquanto a empresária cobra direitos trabalhistas), Anitta decidiu tocar sozinha sua própria carreira. No maior estilo "na minha casa, eu mando", (como diz na música Eu Sou Assim, ainda dos tempos de Mc), a cantora assumiu a gestão de sua carreira.
"Eu não tinha tanta expertise na época, eu passei a ter essa expertise depois, quando tive a necessidade de abrir minha própria empresa e trabalhar sozinha, justamente por não encontrar alguém em quem eu pudesse confiar de olhos fechados", afirmou.
"Por conta disso, passei a fazer tudo sozinha. Antes, eu era muito de confiar, hoje em dia não. Fui aprendendo mais, passei a ser estrategista. As experiências que eu fui tendo e os erros foram me levando a esse resultado de hoje, de planejar tudo, criar as estratégias na minha cabeça da maneira que eu crio."
A cantora Anitta e a empresária Anitta não se separam. Expressões como "mercado brasileiro", "mercado internacional" e "mercado latino" estão constantemente no seu vocabulário - e no seu radar.
Por isso, a cantora, que dividiu o palco com Caetano Veloso e Gilberto Gil no estádio do Maracanã na abertura da Olimpíada, vista por centenas de milhões de pessoas no mundo inteiro, cita como momentos mais marcantes de sua carreira os que lhe deram acesso privilegiado a importantes e disputados mercados.
"Estar no programa do Jimmy Fallon (The Tonight Show, um dos talk shows mais assistidos dos Estados Unidos), uma coisa que ninguém nunca fez no Brasil, cantando em inglês, um trabalho direcionado ao mercado internacional, pra mim foi marcante. E também as primeiras vezes que eu ouvi minha música Paradinha em espanhol tocando no mercado latino, rádios latinas. Isso foi bem marcante", definiu.
'Fazer história'
Para vender sua imagem internacional, Anitta contratou um escritório nos Estados Unidos. O trajeto Rio-Los Angeles virou praticamente uma ponte aérea para que ela possa estar sempre a par dos seus "negócios" no exterior - onde ela diz ser ainda uma "principiante".
"Lá fora estou vivendo a fase que vivi no meu início aqui, as pessoas estão começando a me conhecer", diz.
Assim como tudo o que faz na carreira, seu lançamento internacional foi cuidadosamente planejado. E sua meta pode parecer ousada para quem um dia foi chamada de "funkeira desafinada" pelos críticos: "Quero fazer história."
"Tento sempre me manter com pé no chão e ter certeza do por que estou dando esses passos e quero ter certeza de que seja pelo motivo certo. Meu motivo é quebrar barreiras e passar mensagens boas."
Ela deixa transparecer uma certa vaidade ao dizer ter feito "o que nenhum brasileiro fez".
"Acho que está começando a mudar um pouco (as críticas). Mais pelos resultados que eu venho mostrando, a quantidade de gente que acaba sendo ajudada indiretamente por mim, na indústria musical e fonográfica brasileira. As críticas têm diminuído, e as que ainda existem é mais por falta de informação ou de conhecimento das pessoas."
Funk
Anitta gosta de lembrar suas origens no funk e no subúrbio carioca para reforçar onde conseguiu chegar.
"Você pode muito bem olhar que eu estou dançando e a criança está vendo eu dançar, ou você pode ver que eu sou uma pessoa que vem de um lugar completamente sem oportunidades, humilde, sem estrutura nenhuma e consegui chegar onde eu cheguei, estudar muito, e hoje em dia empresariar minha própria carreira, abrir minha empresa e mudar a vida de tantas pessoas, de tantos funcionários que eu tenho, de tantas famílias. É uma questão de perspectiva."
Mas hoje, ela não se restringe ao funk. Sertanejo, pop, um mix de rap com música romântica, tudo isso compõe o repertório da cantora - e faz parte da sua estratégia de marketing, da ideia de ser reconhecida como artista completa.
Embora tenha se distanciado um pouco da cena do funk, Anitta acompanha com preocupação o projeto de lei que criminaliza o gênero musical. "Acho que primeiro as pessoas precisam buscar entender o país onde elas vivem para depois criticar o funk", diz.
O funk gera trabalho, gera renda.. pra tanta gente... uma visitinha nas áreas menos nobres do nosso país e vocês descobririam isso rápido
— Anitta (@Anitta) 9 de junho de 2017
"Se você quer mudar o funk ou o que está sendo falado ou a forma que ele entra na sociedade, você então deve mudar a raiz, as questões educacionais, as questões que fazem a criação do funk."
'Faço o que me der na telha'
Já em relação a outras questões polêmicas, ela prefere ser mais cautelosa. Embora defenda abertamente em seus shows o direito da mulher ser o que quiser - de vestir roupa curta e "rebolar sua bunda" -, procura se esquivar do rótulo de "funkeira feminista".
"Sou a favor da igualdade entre todos, na verdade. Acho que hoje em dia muito mais do que somente entre homens e mulheres, mas também na questão dos gays, na questão dos negros, de todos os gêneros. Me considero uma pessoa a favor da igualdade em todos os sentidos, sociais, culturais, enfim... não só o fem(interrompe)...entre homens e mulheres. Também né."
A cantora já realizou pelo menos oito plásticas e fala delas com a naturalidade de quem já até "perdeu as contas" de quantas fez - como ela mesma diz.
"Acho que existe a cobrança das pessoas de você estar bem com o corpo, mas eu não faço isso por conta das pessoas, faço por vontade minha. Não sou escrava de nada, na verdade, nem da beleza, nem de sucesso...de nada. Faço o que me dá na telha."