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Grammy Latino expõe antigos dilemas culturais entre Brasil e seus vizinhos

A 21ª edição do festival será realizado a partir das 17h desta quinta (19) com uma festa reservada aos artistas brasileiros antes da premiação principal

19 nov 2020 - 05h10
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A música feita pela América Latina terá nesta quinta, 19, sua maior festa e seu termômetro mais importante depois de uma longa temporada de isolamento social. A partir das 17h, o 21.º Grammy Latino vai dar início à premiação com uma parte chamada este ano de Première, na qual serão anunciados os ganhadores da maioria das categorias, incluindo as destinadas à música brasileira. A transmissão oficial será pelo Facebook Live (face book.com/LatinGRAMMYs/). A parte da cerimônia dedicada ao público brasileiro começa às 19h (horário de Brasília) e terá a apresentação da modelo brasileira Laís Ribeiro. Shows como o dos brasileiros Emicida com Marcos Valle e a banda Melim estão previstos para ser exibidos também nesse momento.

A cerimônia principal começa às 21h (horário no Brasil). Ela não será televisionada, mas o site da premiação atualizará as novidades. Anitta fará um número a partir dos Arcos da Lapa, no Rio, e o colombiano Juanes vai prestar uma homenagem a Roberto Carlos. Outro destaque será a apresentação de uma banda formada por profissionais que atuam no combate à covid-19, formada por médicos, militares e bombeiros de Miami, que vai acompanhar o rapper cubano Pitbull. Haverá shows ainda de Ricky Martin e Alex Cuba (de Miami), Fito Páez e Nathy Peluso (de Buenos Aires); José Luis Perales de Madri; e Bad Bunny (de San Juan/Porto Rico).

Entre os astros do mundo pop e do reggaeton mais indicados, aparecem os colombianos J Balvin, Juanes e Carlos Vives, os porto-riquenhos Bad Bunny e Ricky Martin e os espanhóis Alejandro Sanz e Rosalía. A cubana Omara Portuondo, aos 90 anos, concorre com o álbum Mariposas, gravado e lançado durante a pandemia. Os brasileiros vêm em categorias especiais para a língua portuguesa. Na categoria Melhor Canção aparecem Emicida com o sample de Sujeito de Sorte - Belchior, do álbum AmarElo, e Elza Soares e BaianaSystem com Virgínia Rodrigues por Libertação, de Russo Passapusso.

Outros brasileiros indicados são Anitta, As Bahias e a Cozinha Mineira - chamada agora As Baías - Marcelo Jeneci, Céu, Emicida, Letrux, Maria Bethânia, Zeca Pagodinho, Ney Matogrosso, Rapadura, Suricato e Anavitória. Ao todo, eles foram selecionados entre as mais de 18 mil inscrições feitas para 53 categorias.

Questões artísticas e mercadológicas sempre se colocaram entre a música popular e pop brasileira e as produções de seus vizinhos na América Latina. E o fato de o Grammy trazer categorias próprias para os artistas brasileiros suscita algumas delas. Olhando o Grammy de fora, e considerando os indicados às suas categorias principais, a impressão é de que o Brasil não está na América Latina. Um problema que pode ser reflexo da histórica postura autossuficiente de músicos brasileiros pós-Bossa Nova, que sempre viram seus primos de continente com certa empáfia por considerarem-se donos de uma das mais ricas culturas do mundo.

Membro do Conselho Assessor da Academia Latina de Gravação e CEO da União Brasileiras de Compositores (UBC), Marcelo Castello Branco não vê distanciamento cultural por parte do Grammy com as atrações brasileiras. "Nos 21 anos da Academia Latina, a presença brasileira vem crescendo e se renovando todos os anos." Ele lembra de homenageados como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Roberto Carlos, João Bosco, Milton Nascimento e Roberto Menescal. "A distância foi encurtada pela rede social e plataformas de streaming. Nunca estivemos tão perto." Mas concorda que a postura do mercado brasileiro com nomes hispânicos não é de abertura. "Sim, mas cada vez menos. As novas gerações atravessam as fronteiras virtuais com assiduidade e interesse renovado. Estamos nos redescobrindo latino-americanos e vendo que nossos vizinhos são nosso mercado natural, pela proximidade cultural e social."

Marcos Valle, que fará um show com Emicida e que já esteve indicado para o Grammy em outras ocasiões, estranha as categorias próprias à música brasileira. "Não deveria acontecer, fica estranho que em um momento em que o ideal seria estarem todos juntos haja separações. Mas também entendo que pode ser uma questão cultural e bilateral. A entrada de outros artistas latinos no Brasil se dá mesmo como exceção."

O Grammy traz outra constatação. Em seus 21 anos de premiação, as vitórias de nomes não brasileiros nas categorias economicamente mais poderosas, como Melhor Artista Pop e Álbum do Ano, provam uma fragilidade do Brasil na construção de ídolos pop latino-americanos. Se os países vizinhos têm um histórico de potências de massa como Juanes, J Balvin, Shakira, Jennifer Lopez, Christina Aguilera, Ricky Martin, Luis Fonsi, Luis Miguel, Enrique Iglesias e o milionário espanhol Alejandro Sanz, as experiências brasileiras com vida pop fora de suas delimitações são raras. "Eu já estive em um Grammy para ser homenageado pela obra e senti que somos uma cultura à parte", diz Ney Matogrosso, que concorre este ano a Melhor Álbum de Música Popular Brasileira por seu disco Bloco na Rua.

Ney vai ao passado para fazer um paralelo curioso. Ele lembra que a música de fala hispânica, feita por cantores espanhóis, cubanos, mexicanos e paraguaios chegava pelas rádios até os anos 60. Depois disso, uma forte mudança de eixo cultural fez com que a supremacia da música produzida nos Estados Unidos se impusesse. "Assim como eles (os vizinhos latinos) parecem não saber de nós, também não sabemos deles." Castello Branco acredita que esse reconhecimento regional se dê com o tempo. "É questão de tempo, persistência e planejamento. Temos que parar de improvisar e trabalhar, como Anitta fez, por exemplo, e muitos outros que já estão nesta estrada com seriedade e objetivos claros. Os festivais ajudam o intercâmbio constante de ideias e as trocas de experiência. Temos um mundo a descobrir e a conquistar, e isso depende de nós mesmos. Talento não falta."

O argentino Fito Paez está indicado na categoria Melhor Canção de Pop Rock, uma das quais não há brasileiros, pela música La Canción de Las Bestias, que conta com um clipe feito nos tempos de isolamento. "Eu me filmei dentro de um quarto e chamei alguns amigos, todos geniais, que fizeram a animação e deram vida a esse vídeo extraordinário." Ele dá sua percepção sobre os brasileiros nas terras latinas: "O Brasil é uma potência importantíssima e eu não creio que se possa dizer que todo o País esteja de costas para a América Latina. Creio que o Brasil realmente tem um vínculo com a América Latina - e diria que a América Latina é que precisa prestar mais atenção no Brasil. Aí é que pode existir alguma dívida".

Estadão
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