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João Gilberto e Tom Jobim: o que a IA (ainda) não faz

Os humanos atrás dos teclados ou pincel estão com sérios problemas

28 abr 2023 - 06h15
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Foto: Reprodução

O que é a criatividade? Se é apenas a capacidade de escrever um romance, pintar um quadro ou compôr uma canção, os humanos atrás dos teclados ou pincel estão com sérios problemas.

As novas ferramentas de Inteligência Artificial Generativa (mas pode chamar de IAgen, ou só IA) fazem isso tudo. Os já famosos ChatGPT, Bing, Stable Diffusion e Dall-E criam rápido, com comandos simples e interfaces que são entendidas em minutos. 

Mas vou propor uma definição mais ousada do que é criatividade.

Primeiro vamos falar de artistas, os grandes. Um artista é muito mais que alguém que domina uma câmera fotográfica ou instrumento musical. 

O que define um artista é o Zeitgeist, o ‘espírito do tempo’. Um grande artista tem a capacidade de ouvir uma voz, um clamor, uma vontade de expressão de um grupo, raça, ritmo ou sentimento coletivo.

Eu gosto sempre de mencionar o exemplo de um carioca e um baiano geniais, Tom Jobim e João Gilberto. Com caminhos de vida muito diferentes, se encontraram para criar a Bossa Nova. Ela é representação do espírito e talento de João, um dos maiores músicos brasileiros, e Tom, o artista mais transcendente e universal que jamais tivemos, em qualquer arte. 

Essa dupla fez muito mais que criar um novo ritmo e algumas dezenas de canções. Por mais que “Wave” ou o “Samba do Avião” sejam eternos, o que eles criaram foi uma representação de  país que perdura até hoje. Mais do que ser um reflexo da Zona Sul do Rio de Janeiro e de um pedaço de chão cheio de música no interior da Bahia, a Bossa Nova, para o mundo inteiro, é o nosso país. 

Em qualquer lugar do planeta, quando se quer representar o espírito gentil e tropical, colorido e hospitaleiro de nossa terra, a trilha a Bossa Nova. Claro que o Brasil também pode ser ignorante e violento, triste e injusto. Mas por causa desses dois brasileiros, não é assim que o mundo nos vê.

E é tão universal que Bossa Nova em alemão ou japonês, francês ou inglês, ainda é Bossa Nova e ainda remete ao Brasil. 

A música desses dois brasileiros nos fez o que eles achavam que nós éramos, e não é um caso único. Londres é Dickens, escura, dura e tomada pela fog. As ilhas do pacífico sul são Cézanne, cheias de cores e vegetação luxuriante, ensolaradas e sensuais, a América do Norte é Bob Dylan e J.D. Salinger, a Argentina é Gardel e Piazzola. E a Terra Média, que obviamente não existe, mas existe, é Tolkien, assim como o  universo de Star Wars. 

Sistemas de IAgen não fazem isso. Não entendem Zeitgeist. 

Mas até agora falamos de criadores transcendentes. Obviamente nem todo artista gráfico fazendo um logotipo para o restaurante tem ambição de mudar o mundo. Mas mesmo esse artista precisa entender e processar sensibilidades e múltiplos conceitos. Quem é o público, qual o tipo de comida e por quanto sai a conta?

Inteligência Artificial já entende esses parâmetros. Mas no final, ela vai depender de um humano para ajuda-la a decidir o melhor caminho para a versão final. O mesmo acontecerá com músicos e escribas. Não dá pra dizer que a IAgen é apenas uma ferramenta de produtividade, como o Word no qual escrevo este texto.

Então, o que ela é?

Por tudo o que tenho visto até agora, a IA é um assistente hábil e esperto. Conectado a tudo o que acontece no mundo. Capaz de trazer qualquer referência em segundos. Não tem ego e nem opinião. Por tudo isso, ela poderá ajudar os bons artistas a serem artistas melhores, quando elas e eles precisarem de inspiração ou dados.

Fiz um teste. Convidei um bom designer, amigo meu, para um duelo de criação de imagens. Como esperado, no meu caso o resultado parecia uma colagem escolar. Ele entregou um trabalho profissional a mais: levou um terço do tempo que levaria antes. Já eu poderia usar três vezes mais tempo, e não chegaria nem perto do resultado final que ele conseguiu.

Porque não é uma questão de tempo. É uma questão de entender.

Grandes artistas continuarão grandes artistas. Os não tão grandes farão trabalhos melhores, em menos tempo. Grandes escritores seguirão grandes escritores. Os outros terão garantia de gramática correta, dados confiáveis e parágrafos melhor organizados, que bom.

As novas ferramentas são democratizadoras de conhecimento e de habilidades básicas que antes levavam muito mais tempo para o artista obter. Mas pelo que vi até agora, não equalizam talento. E não irão fazer isso. Pelo menos, por um tempo

(*) Alex Winetzki trabalha há anos com Inteligência Artificial. É CEO da Woopi e diretor de pesquisa e desenvolvimento da Stefanini.

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