Mart'nália lança CD e DVD, com shows feitos em Angola e Moçambique
- Sara Paixão
- Rio de Janeiro
Na década de 80, o Projeto Kalunga, que celebrou a independência de Angola, fez artistas como Martinho da Vila, Chico Buarque e Dorival Caymmi desembarcarem música brasileira da melhor qualidade no continente africano. O mais conhecido resultado do intercâmbio foi o enredo Kizomba, Festa da Raça, que Martinho criou em 1988 para Vila Isabel. Mais de 20 anos depois, um novo fruto dessa mistura acaba de nascer: a cantora Mart'nália lança o CD e DVD Mart'nália em África ao Vivo, da Biscoito Fino, com registros de shows feitos em Angola e Moçambique, em 2008.
"Fui à África mais de dez vezes. Na primeira, ainda tocava na banda do meu pai. É como ir à casa de uma avó, de uma tia. Você batuca, conversa e canta", diz a cantora, que lá é recebida por chefes de estado e embaixadores. "Os amigos do meu pai são músicos e um virou ministro, chefe de não sei o quê. Seus filhos me chamam de prima", diverte-se ela, que na última visita ao país provou uma bebida sagrada.
"Uma senhora me deu uma bebida com abacaxi que, no preparo, é colocada embaixo da terra para fermentar. Parecia ter cachaça, mas não tinha. Ela dizia para alguns: 'Você não está preparado para beber, você sim!'", recorda-se, às gargalhadas, a escolhida para provar o líquido, conhecido por oferecer energia de vida. Se beber não foi problema, comer foi complicado. "Meu lado preto ficou caído. Evito comida com pimenta. E, lá, tem amendoim com feijão e dendê, então só comia sopa. Mas não é só na África, quando viajo, levo sopinhas instantâneas", diz.
A gravação em Moçambique aconteceu no dia seguinte à vitória de Barack Obama nas eleições americanas e eles encontraram o país em festa. À primeira vista, o DVD poderia soar como afirmação de negritude. Mais do que isso, ele traz Mart'nália em sua essência brasileira, no registro fiel do show que roda o País. Estão no repertório sucessos como Cabide, o soul Para Comigo, hits de Martinho, como Ex-Amor, e o já citado samba-enredo da Vila. A cereja do bolo está nos extras: as rodas de samba -com participação de Gilberto Gil, Carlinhos Brown e do próprio Martinho- e os documentários sobre Angola e festa de umbanda.
"Nunca sofri discriminação. Sempre fui filha do Martinho da Vila. Quando se é artista, é diferente. É um meio mais aberto. No colégio, só tinha eu de preta, mas racismo de verdade, nunca sofri", diz a cantora, que gosta de mistura. "Sei da minha negritude, mas não gosto de levantar bandeira de uma coisa só. Aqui, o racismo é velado, mas está melhorando com as cotas. O importante mesmo é trocar, misturar", acredita Mart'nália.