MC Guimê, o moleque da periferia que virou "patrão" do funk
Aos 21 anos, MC Guimê virou sucesso nacional exaltando luxo e riqueza em suas músicas. O jovem que já trabalhou em quitanda por R$ 50, hoje ganha R$ 35 mil por show e chega a cantar três vezes por noite
Ele chega para a entrevista no mais perfeito estilo "Scarface". Entra na sala de seu apartamento com passos firmes, perfumado com Paco Rabanne e coberto de ouro: uma corrente e dois anéis. A expressão de marrento, os olhos sempre semicerrados, o corpo todo desenhado assustam no início, mas hipnotizam. O que MC Guimê tem que você não tem? O “moleque” que saiu da quebrada, em Osasco, cantando funk, hoje é "P-A-T-R-Ã-O", como ele mesmo diz em suas letras. Suas músicas estão na boca da galera da periferia, e dos playboys.
Aos 21 anos, diz ganhar um cachê de cerca de 35 mil por show, chegando a até três apresentações diárias. Numa madrugada de terça para quarta recebe o Terra em sua casa, um apartamento no Tatuapé avaliado em R$ 900 mil. De lá, dá uma carona para a reportagem em uma van repleta de amigos: seus aliados, todos a caminho de um show. O local da apresentação? O badalado Club A, na cobertura do hotel Sheraton na zona sul. Achando pouco? Vai vendo.Mas o que é funk ostentação? É uma vertente do funk normal, mas diferente do carioca, que tem um apelo mais sensual, (para não dizer sexual). As mensagens mais proliferadas estão ligadas ao consumo, ao luxo, bens materiais como carros, motos, relógios, etc. O principal nome do estilo no momento é MC Guimê. Não é à toa: o clipe de Plaquê de 100 tem mais de 45 milhões de visualizações no YouTube.
"Deus ajuda quem cedo madruga", diz o ditado. E quem vara a madrugada, também. Apesar de enaltecer o luxo, no seu funk ostentação, Guilherme Aparecido Dantas, seu nome verdadeiro, tem origem humilde, é filho de assistente de eletricista, e se orgulha disso. Já trabalhou em uma quitanda com salário de R$ 260 e no Ceasa, onde ganhava R$ 50 por noite. Aos 16 anos, saiu da casa dos pais em Osasco, na grande São Paulo. Tinha começado a se dedicar ao funk, já que gostava de rimas, e seus horários já não batiam mais com o deles por conta das baladas.
“Acho que fui sempre um moleque muito de rua, jogava futebol, soltava pipa. E como eu comecei a fazer esse sucesso muito novo, graças a Deus, trabalhava com responsabilidade. Eu até perdi um pouco dessa juventude assim. Comecei fazendo festinha lá em Osasco, que a gente vendia os ingressos...eramos os 'promoters'. Então essa foi minha vida em Osasco antes do funk. Assim que comecei a cantar, fiquei por pouco tempo ali e me mudei pra cá”.
Mesmo antes de ser conhecido nacionalmente, MC Guimê já fazia sucesso em sua região com os shows e melhorou seu padrão de vida. “Pô, com 17 anos eu tive condição de comprar um New Civic. Para mim, um moleque de quebrada com um New Civic já era tipo o rei..tá ligado?”. O desprendimento em admitir que tinha carro mesmo antes de poder tirar a habilitação vira cautela ao falar do presente. Não diz o carro que dirige, mas comenta sobre o Volvo XC60 e o Mini Cooper que estão na garagem. Além de seu apartamento, comprou uma casa para os pais em Osasco.
Mas a coisa tomou outra proporção de um ano e meio pra cá quando seus clipes chamaram a atenção pelo número de acessos. O sucesso na web virou passaporte para programas como Esquenta e A Liga. O funk, antes um estilo musical tipicamente carioca, ganhou uma versão paulista. E a coisa só aumentou recentemente com a aparição no Domingão do Faustão e a capa da revista Veja.
Encontro na madrugada
De volta à madruga da entrevista. Pouco depois da meia noite, a equipe do Terra chega à casa de Guimê. O edifício é moderno, mas sem muito luxo. Fica em uma rua bem residencial do Tatuapé, repleta de sobrados. Enquanto os vizinhos dormem, o movimento na casa do funkeiro cresce. Aos poucos, jovens se aproximavam da portaria a procura de “Guilherme”. Eram seus amigos.
Antes de receber a reportagem, Guimê se prepara reservadamente no quarto, de portas fechadas. Gosta de lustrar suas joias e colocar uma por uma. O apartamento tem 110 m², três quartos e uma vista bonita, por estar em andar alto. O local está tomado pelos amigos, mas a conversa animada se interrompe por um instante com a invasão da nossa equipe. As câmeras e microfones intimidam. A decoração é moderna e o espaço da sala com cozinha americana é bem distribuido. Poltronas e incensos dividem atenções com um adesivo de Marilyn Monroe na parede.
Mas pouco do que há ali foi escolhido por Guimê. Quase tudo, incluindo a imagem de Marilyn, já estava no apartamento quando ele se mudou há um ano e meio. Jogo americano, copos, tudo bem jovem e colorido, mas nada parecido com a "ostentação” que prega em suas letras.
Guimê sai do quarto, sem fixar o olhar em ninguém, meio tímido. Além das joias, ele usa um visível cinto Louis Vuitton e tênis Nike. Para descontrair, a entrevista começa com a sessão de fotos. Pergunta de forma amigável como queremos as imagens e faz poses, mas não quer ser fotografado no quarto. Explica que está reformando o closet e "já estamos atrasados para o show", despista.
Nossa entrevista fica, então, para a van. O clima na partida é de bagunça: como um grupo de amigos indo para a balada no sábado a noite. A diferença é que o sábado, neste caso, é uma terça. Um brinca com o outro, recordam viagens e episódios. Guimê vai direto para o banco do fundo. Além dos amigos e de nossa reportagem, o motorista, um assessor e um segurança completam o staff do funkeiro.
Na entrevista fica claro que estamos falando com Guilherme. Guimê é o personagem que fala de luxo e esbanja dinheiro com a mulherada. Na van a caminho do show, quem responde é jovem que saiu da periferia e hoje vive com muito conforto. O menino que canta sobre marcas de carro, relógios e coisas prefere, na vida real, ostentar a simplicidade. Ao falar da família (além dos pais tem 3 irmãos) é enfático: “hoje, graças a Deus, estou podendo ajudar, comprei uma casa para eles. Meu sonho é isso...poder ajudar minha família e as pessoas que estão ao meu redor”. Mas o que ainda falta? “Sobre parada de comprar, para ser sincero, quando olho para o futuro eu falo: ‘Pô, eu quero comprar um avião, helicóptero, várias coisas’. Mas quando eu olho para o passado, eu falo para mim: ‘Desse jeito que eu estou já estou bem demais’”.
Mas salário e fama faz aumentar também o assédio feminino. “Para ser sincero (coça a cabeça)...acredito que minha carreira foi evoluindo na música, no trabalho, no valor, e não deixou de evoluir na parada de mulheres”. Admite que já ficou com fãs, mas atualmente evita. “Às vezes você acaba ficando...eu já vi umas fãs bonitas. A mina troca ideia legal com você, mas acaba complicando porque vai acabar misturando...são sentimentos diferentes”. Guimê, apesar de já ter namorado sério, está solteiro. Seu estilo de mulher? A “gente boa”.
Diz ter vontade de viajar, desejo que cresceu após recente visita à Europa, em especial Itália e Holanda. Foi para curtir com os amigos. Comprou muitas roupas, conheceu baladas e lugares diferentes. Além das festas, viagens e música, Guimê faz aulas de inglês. Largou a casa dos pais cedo, mas não os estudos: tem diploma do ensino médio.
O corpo coberto por tatuagens (inclusive no rosto) chama a atenção. Guimê diz que perdeu a conta de quantas são. “Fui juntando uma na outra. Várias têm significado importante e outras são coisas que vão passando na vida. Não me arrependo de ter feito nada porque acho que vou me recordar sempre, a tatuagem marca meu momento. Uma das que mais marcou foi essa aqui - Jesus escrito na mão - que eu tenho bastante fé (ele se define como católico não praticante)". Nos dedos um lembrete para não voar demais: as letras NM NM significam "Nem Maior Nem Melhor". E no gogó, um diamante. O desenho da joia em sua garganta, seu ganha-pão, não é um deboche sobre sua qualidade vocal. “É uma parada inquebrável, minha voz nunca vai se calar”.
Show às 3 da manhã
Quase chegando ao local do show, na região da Avenida Luiz Carlos Berrini, ele faz uma pausa na entrevista para exercitar a voz. Brinca conosco e os amigos, mostra fotos da viagem e pergunta se acompanharíamos o show. Diante da resposta positiva nos convida para seu camarim: um bangalô decorado com sofás e uma mesa de aperitivos.
Já são 3 da manhã de quarta-feira quando Guimê surge no pequeno palco do Club A. A plateia é composta principalmente de patricinhas e playboys. A maioria de boné e corrente, e todos cantam sucessos de Guimê. Oi? A maioria pagou entre R$60 a R$ 80 reais para curtir a noite que conta com os MCs Pikeno e Menor que se apresentaram antes.O público tem uma história distante da realidade de Guimê. Mas a diferença de origem não assusta o funkeiro. Pelo contrário, empolga. “Esse público começou a chegar quando alcançamos bastante mídia, com os clipes cada vez mais qualificados. A gente canta mais os clássicos para eles, mas a nossa mensagem, de superação, é a mesma. É um sonho realizado também. Pô, ver uma galera que, querendo ou não, tem estudo, formado, e está ali vendo meu trabalho. Antigamente era uma parada considerada assim: ‘ah funkeiro, nóia, que não tem condição da hora’”.
No palco, ele agradece o respeito, interage com o público, e nas músicas mais conhecidas, Na Pista Eu Arraso e Plaque de 100, escuta-se a letra na ponta da língua de todos. Sim, eles realmente sabem e formam um formigueiro para prestigiá-lo lá de baixo. Vez ou outra entoa versos da música Minha Origem, na verdade, trechos do salmo 23 da Bíblia: "O Senhor é meu pastor e nada me faltará". E quando pergunta das solteiras, ah... elas gritam e se animam ao saber que ele também está sozinho.
Durante o show, que dura cerca de uma hora, celulares são apontados para o palco. Todos querem uma foto de Guimê ou uma "selfie" com ele. Um drink na mão, o aparelho na outra. De volta a seu bangalô-camarim, curte o resto da balada como um jovem de 21 anos faria com seus amigos. A pergunta do começo deste texto permanece: o que MC Guimê tem que você não tem? Seja lá o que for, paga muito bem.