Movimento silencioso do Spotify pelo Black Lives Matter gera críticas
Artistas, jornalistas e fãs questionaram a empresa sobre uma posição mais firme no combate ao racismo; no Brasil, Emicida e Laboratório Fantasma adiam lançamentos
No momento em que os protestos contra o racismo ganham as ruas nos Estados Unidos, empresas têm usado a oportunidade para divulgar mensagens, e na indústria da música não é diferente. O Spotify, por exemplo, anunciou uma ação para esta terça-feira, 2: em cada playlist serão reproduzidos oito minutos e 42 segundos de silêncio (o tempo que George Floyd foi sufocado até a morte), a playlist Black Lives Matter foi atualizada, diversas outras imagens no aplicativo foram trocadas para destacar o movimento e a empresa anunciou que vai doar a mesma quantia que seus funcionários doarem para instituições antirracismo.
A empresa, porém, recebeu muitas críticas por, na opinião de artistas e analistas, não distribuir o dinheiro de maneira adequada entre produtores da indústria, músicos e compositores, bem como a não fazer doações financeiras significativas.
Em um post no site oficial, o Spotify disse que encorajou seus funcionários ao redor do mundo a tirar a chamada "Black Out Tuesday" para refletir e se educar sobre o assunto. "Nós compartilhamos ferramentas para ser um aliado da comunidade negra, e os Spotifiers terão acesso a profissionais de saúde mental treinados. Além disso, o Spotify vai dobrar as doações financeiras feitas por funcionários para organizações focadas na luta contra o racismo; injustiça; desigualdade; e promovendo mudanças significativas", diz o post.
Artistas como a cantora Kehlani e o produtor de eletrônica BATHS usaram as redes sociais para cobrar melhor distribuição do dinheiro por parte da empresa. "Abra sua bolsa, Spotify", diz um dos posts mais retuítados.
"O dia dos lançamentos é sexta-feira, as terças não são grande coisa (para as empresas)", disse ainda Kehlani. "Nenhum lançamento deveria sair pela semana toda, talvez no mês. E se sair, essas empresas precisam prometer entregar todo o dinheiro que fizerem deles para os artistas negros."
fuck no first of all. the major release day is FRIDAYS. tuesdays not a big deal. no releases should come out at all for the week shit maybe for the month. and if they do, these companies need to pledge to giving the Black artists who release ALL THE MONEY MADE FROM IT. fuck it. https://t.co/S6lNSqvO4x
— Kehlani (@Kehlani) June 2, 2020
O produtor Jack Antonoff, parceiro de Taylor Swift e outras artistas, ironizou: "Quanto dinheiro está sendo doado pelas gravadoras, editoras, serviços de streaming e outros cantos da indústria musical (nesta terça)? Não consigo achar a informação."
how much money is being donated from the labels, publishers, streaming services and all other corners of the music industry tomorrow? i can't find this info
— jackantonoff (@jackantonoff) June 2, 2020
No Brasil, o Spotify também pintou a capa das suas playlists em preto e acrescentou a todas elas a descrição #VidasNegrasImportam.
Críticos e jornalistas de música americanos também questionaram a ação. "Vocês estão brincando?", questionou o escritor Craig Jenkins, da Vulture. "O Spotify tem uma receita de bilhões de dólares todo ano, (Daniel) Ek é um bilionários, 'dobrar' as doações dos funcionários e fazer esse tipo de coisa é muito vazio", disse um dos editores da Pitchfork, Jeremy D. Larson.
Are you joking https://t.co/oeEPWssyqW
— Craig Bro Dude (@CraigSJ) June 1, 2020
O crítico de música pop do The Washington Post, Chris Richards, comparou a resposta do Spotify ao do Bandcamp, serviço de streaming ligado à cena musical independente, que anunciou um fundo anual de US$ 30 mil para organizações contra a injustiça racial, bem como um compromisso de direcionar toda a receita do dia 19 de junho, também anualmente, para o fundo de defesa jurídica da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor).
Outras críticas envolviam a passividade da plataforma em retirar músicas de supremacistas brancos, por exemplo, bem como o pouco acesso fornecido a países africanos e caribenhos.
Fãs também usaram as redes sociais para elogiar a iniciativa, comparando o serviço com a Apple Music. A plataforma da Apple também interrompeu parte de sua programação por conta do movimento.
Na playlist atualizada Black Lives Matter, do Spotify, canções do jazz de Nina Simone ao hip hop de Lauryn Hill e Kendrick Lamar traçam um panorama da reação artística à violência policial nos EUA, reforçando a mensagem de que o que está acontecendo agora não é nenhuma novidade.
No Brasil, Emicida e Laboratório Fantasma adiam lançamentos
Já Emicida e sua gravadora, a Laboratório Fantasma, aderiram ao movimento "The Show Must Be Paused" ("o show precisa parar"), que chama a atenção para o assassinato de George Floyd e para as outras vidas de pessoas negras tiradas pela polícia.
Alguns projetos da Laboratório Fantasma estão sendo adiados, entre eles o lançamento da canção Sementes, de Emicida e Drik Barbosa, que sairia nesta terça, 2, o Movimento 2, do AmarElo Prisma, iniciativa de Emicida, e o novo EP acústico de Rael, intitulado Capim-Cidreira (Infusão), previsto anteriormente para o dia 10 de junho. Em um comunicado, a Laboratório Fantasma diz: "Todo o silêncio, perante à injustiça, é parte da violência".