Nova biografia de Louis Armstrong é lançada nos EUA
Louis Armstrong, também conhecido como Satchmo ou Pops, foi para a música o que Picasso foi para a pintura e o que Joyce foi para a literatura: um inovador que mudou a cara de sua arte, um pioneiro fecundo e infinitamente criativo cuja descoberta de sua própria voz ajudou a reinventar a cultura do século 20.
Sua determinação em entreter e a popularidade em massa que ele acabou alcançando, além de sua personalidade sociável e gentil, iriam encobrir a magnitude de sua conquista e gerar o desdém de muitos intelectuais e jovens colegas, que desprezaram muito do que ele fez após 1929 como lixo pseudo-intelectual e até o ridicularizaram como uma figura negra subserviente aos brancos.
Com Pops, a nova biografia eloquente e importante de Armstrong, o crítico e historiador cultural Terry Teachout restaura o homem do jazz, colocando-o merecidamente no panteão de artistas americanos, com base no estudo excelente de 1988, Satchmo: The Genius of Louis Armstrong, de Gary Giddins, e oferecendo uma resposta austera ao livro condescendente de Lincoln Collier Louis Armstrong: An American Genius, de 1983.
Teachout, crítico de teatro do Wall Street Journal e crítico-chefe de cultura da revista Commentary, escreve com grande estima pelas conquistas artísticas de Armstrong, ao mesmo tempo que situa seu trabalho e vida em um contexto histórico mais amplo. Ele recorre a escritos energéticos e a horas de fitas gravadas, com pensamentos e conversas de Armstrong com amigos.
Ao fazer isso, cria um retrato emocionalmente detalhado de Satchmo, como um homem rápido, engraçado, generoso, observador e às vezes surpreendentemente amargo: um músico carismático que, como um ator imerso nos sentimentos de seu personagem, canalizava sua vasta experiência de vida em seu trabalho, mostrando uma amplitude shakespeariana impressionante que abrangia o triunfo e a melancolia, o divertido e o pesaroso.
Ao mesmo tempo, Teachout nos lembra dos dons de Armstrong: "A combinação de ímpeto acelerado e lirismo expansivo que impulsionava sua maneira de tocar e cantar", seu "senso revolucionário de ritmo" e sua "virtuosidade deslumbrante e brilhantismo sensacional de tom¿, nas palavras de outro trompetista, que deixavam os ouvintes se sentindo como se estivessem olhando para o sol.
O autor ¿ que trabalhou como baixista de jazz antes de se tornar escritor em tempo integral ¿ também usa seu conhecimento em primeira mão de música para retratar a magia das obras primas de Armstrong, como St. Louis Blues, Potato Head Blues, West End Blues e Star Dust.
Durante sua vida, Armstrong se apresentou com quase todo mundo, de pioneiros do jazz como Sidney Bechet, Joe Oliver, Bix Beiderbecke, Johnny Dodds e Kid Ory, a mestres mais contemporâneos como Leonard Bernstein e Johnny Cash. Sua incandescência exuberante tanto como instrumentista quanto vocalista influenciaria não apenas cada trompetista que estava por vir, mas também inúmeros compositores, líderes de bandas e cantores tão variados quanto Frank Sinatra e Bing Crosby, Ella Fitzgerald e Billie Holiday.
"Mesmo antes de seu rosto se tornar conhecido pelos leitores de jornais e revistas ilustradas ¿ e, posteriormente, espectadores do cinema e da TV", Teachout escreve, "Armstrong foi o primeiro músico de jazz cuja voz era ouvida por um grande número de pessoas. Dessa maneira, ele ascendeu do anonimato do processo de gravação e imprimiu sua personalidade em todos que o ouviam, mesmo aqueles que achavam o jazz mais instrumental uma abstração inacessível. Era o segredo de seu apelo e ele sabia disso. Assim como muitos instrumentistas cantores que seguiram seus passos, esperando atrair alguns dos mesmos ouvintes que sorriam ao som de sua voz de tenor arenosa, que foi ficando mais grave à medida que ele envelhecia, mas continuou sempre tão reconhecível quanto uma impressão digital."
Embora a vida de Armstrong tenha sido contada muitas vezes antes, Teachout realiza um trabalho hábil ao invocar a trajetória da experiência de Armstrong, que coincidiu com - ou esteve na vanguarda de ¿ tantos acontecimentos marcantes da história afro-americana do século 20, da Grande Migração que levou muitos sulistas negros para cidades do norte como Chicago à Renascença no Harlem dos anos 1920 aos 1930. Ele reconta as dificuldades vivenciadas por Armstrong nas turnês em um sul ainda segregado, sua aclamação na Europa nos anos 1930 e 1940 e o sucesso generalizado nos EUA que ele finalmente alcançou nos anos 1950.
Nesse volume, o leitor tem uma imagem dramática da vida de Armstrong nas ruas cruéis de Nova Orleans, onde ele cresceu como filho ilegítimo de uma camponesa de 15 anos, entre apostadores, religiosos, prostitutas e vigaristas; de suas aventuras na terra das gangues de Chicago e na Nova York da Era do Jazz; da rápida metamorfose desse tímido ¿menino com boca de sapo tocador de corneta¿ que se transformou no mais influente solista de jazz; e de seus longos e duros anos na estrada, cruzando os Estados Unidos dezenas de vezes, tocando em tantas noites que muitas vezes saía do palco, em suas palavras, "cansado demais para levantar um cílio."
Além disso, Teachout faz um trabalho fluente de explicar o aprendizado de Armstrong com Joe Oliver e Fletcher Henderson; seu trabalho embrionário com o Hot Five; e os papéis centrais nos negócios exercidos por sua esposa Lil e seu agente mafioso, o ex-promotor de boxe Joe Glaser, na formação de sua carreira.
Como Teachout astutamente ressalta, a forma com que Armstrong tocava o trompete, como seu canto e seus escritos férteis (incluindo duas memórias publicadas e inúmeras cartas, que ele datilografava com uma máquina de escrever que carregava quando estava na estrada), era uma maneira de refletir sobre tudo que testemunhava. "Vi de tudo desde criança", ele disse uma vez. "Nada acontece que eu não tenha visto antes."
"Quando toco, penso nos momentos e coisas do passado que me dão uma imagem da canção. Como imagens que passam na frente dos meus olhos. Uma cidade, uma garota do passado, um velho sem nome que vi uma vez num lugar do qual não me lembro." Essa crença na música como uma expressão pessoal sentida profundamente é uma das razões de Armstrong ter evitado usar a terminologia musical ao falar sobre seu trabalho e de ter dito que não gostava do estilo bop (como outras formas de jazz mais descoladas e modernas), reclamando que "não vinha do coração", e que era tudo só instantâneo".
Os amantes do bop e avatares do descolado, por sua vez, rejeitavam o desejo de Armstrong de entreter o público e de fazer caretas e agir como palhaço no palco. E, ainda assim, até mesmo Miles Davis, que rejeitando o estilo de agradar o público de Satchmo, chegou até a virar as costas para a plateia, reconheceu que a história do jazz se irradiava de Louis Armstrong: "Você não consegue tocar nada no trompete", Davis disse, "que não venha dele."
POPS: A Life of Louis Armstrong
Autoria: Terry Teachout
Ilustrado - 475 páginas
Editora Houghton Mifflin Harcourt
US$ 30 em média