"O maior momento da minha carreira", diz Laura Pausini
Cantora foi indicada ao Oscar pela primeira vez; ela também desabafa sobre bloqueio criativo durante pandemia
Laura Pausini vive um momento especial da carreira. Ganhadora de um Grammy, quatro Grammy Latino, entre outros prêmios, a cantora e compositora italiana, de 46 anos, está em estado de êxtase com sua primeira indicação para o Oscar, com a música Io Sì, do filme Rosa e Momo, na categoria de melhor canção original. O anúncio da indicação foi feito no último dia 15, depois de ela já ter ganhado o Hollywood Music in Media Awards e o Globo de Ouro com a canção, composta em parceria com Diane Warren e Niccolá Agliardi e interpretada, em italiano, por ela.
Mas a pandemia impediu que Laura comemorasse essa conquista ao lado de seus pais. Com a Itália em lockdown, a celebração teve de ser feita a distância, cada um na sua casa, por Facetime. E com delay. A cena foi compartilhada por Laura em suas redes: os pais ouviram dois segundos antes dela a nomeação de Io Sì e começaram a gritar; Laura olhou para a tela e ficou confusa com aquela festa do outro lado, já que o anúncio não tinha chegado até ela; e então a explosão de alegria se estendeu para sua casa quando ela viu que sua canção estava na lista de concorrentes ao prêmio da Academia. A cerimônia está marcada para 25 de abril, presencialmente, seguindo restrições e protocolos de segurança, na Union Station, no centro de Los Angeles, e no Dolby Theatre, em Hollywood.
Sua felicidade vem em tempos dolorosos. E Laura confessa que enfrenta um conflito de sentimentos. "Fico tão feliz por minha carreira, minha vida, chegando notícias, como Globo de Ouro e Oscar, que é uma coisa gigante, uma coisa maravilhosa, e, ao mesmo tempo, não posso ver meus pais, a minha filha não vai à escola. Ela tem a sorte de ser muito fantasiosa. Então, durante o dia, ela faz muitas coisas na nossa casa, mas não pode encontrar suas amigas", diz Laura, em entrevista ao Estadão, por Zoom, de sua casa em Roma, onde está isolada com o marido e a filha Paola, de 8 anos. Fã do Brasil e com muitas passagens pelo País, Laura conversou em português, idioma que adora falar. "É o momento provavelmente mais importante da minha carreira, e chega durante uma pandemia. Então, não se pode desfrutar totalmente. Mas, quando falo disso com meus amigos ou com a minha família, eles me dizem que não é justo que eu pense assim. É um momento triste, então tudo que é lindo tem que desfrutar. Estou trabalhando um pouco isso, porque fico com um pouco de culpa."
Laura conta que estava parada desde fevereiro do ano passado. O convite para compor o tema original com seus parceiros para o filme Rosa e Momo, da Netflix, protagonizado por Sophia Loren e dirigido por Edoardo Ponti, filho da atriz, chegou em agosto. E foi como uma espécie de salvação para ela como artista. "Imagina que eu, durante meus 28 anos de carreira, passei na minha casa menos de dez meses. Então, agora, um ano fechada, confirmo que não gosto de estar em casa (risos). Ao mesmo tempo, preciso aprender a viver mais normal, porque gosto também de conhecer essa parte. Mas, no princípio, foi difícil, porque eu não encontrava um equilíbrio. Por exemplo, eu perguntava para mim: posso escrever uma canção? Não tenho vontade, e sempre estava muito concentrada na minha filha, muito preocupada, porque não quero que ela sofra", conta ela. "Mas isso foi muito difícil. Então, artisticamente eu estava morta."
Mas, graças ao filme, Laura voltou a escrever. Assistiu a algumas cenas, para fazer a letra em parceria com Niccolá Agliardi, enquanto a música leva a assinatura de Diane Warren. "Não (assisti) totalmente, porque estava em pré-montagem quando o Edoardo me mandou para ver. Mas era muito fácil já receber a mensagem com as imagens que ele me mandou." Tendo como cenário a cidade de Nápoles, o belo Rosa e Momo mostra a relação de carinho e afeto maternal que, por um acaso do destino, acaba sendo construída entre Madame Rosa (Sophia Loren), uma ex-prostituta que cuida de filhos de prostitutas, e Momo (Ibrahima Gueye, indicado para o Critics Choice Awards 2021 por sua atuação), garoto de 11 anos que pratica pequenos roubos. Duas pessoas de origens, idades e universos distantes que criam laços em meia a adversidades. Dois invisíveis para a sociedade, que lançam entre si um olhar de acolhimento e entendem a dor do outro.
A música Io Sì (Eu Sim) vem nessa sintonia, falando de tolerância, de diversidade, de acolhimento. "Quando você aprende a sobreviver/E aceita o impossível/Ninguém crê/ Eu sim", diz um trecho traduzido da letra. "O filme ensina a todos que, mesmo que você não tenha uma família de sangue, você pode ter uma família. Quando você fica invisível, não deve pensar que não existe ninguém no mundo para ajudar, para poder proteger você. Você precisa procurar e acreditar que existe uma pessoa que pode ser de uma raça diferente, de uma idade diferente, de uma ideia diferente, mas que é um anjo para você", observa Laura. "Mesmo que eu tenha escrito a letra a partir do filme, agora entendo que é muito atual, porque as palavras são dedicadas também às pessoas que se sentem invisíveis, e que agora desafortunadamente precisam ter uma resposta, uma proteção de alguém."
A canção é tocante, forte, e ganha uma interpretação emocionante de Laura. Difícil segurar as lágrimas quando o filme chega ao final e a canção começa a tocar. Há uma dramaticidade contundente e uma beleza na voz de Laura, que a consagrou em sucessos como Strani Amori, La Solitudine e Non c'è. A cantora já havia gravado música para outro filme, Uma Carta de Amor, de 1999, com Kevin Costner, mas nunca mais participou de outra trilha, porque nunca mais recebeu propostas que mexessem emocionalmente com ela. Diferentemente do que aconteceu com Rosa e Momo.
Depois de Io Sì, Laura seguiu compondo. E rompeu um período de 'bloqueio criativo' imposto pela pandemia. "A minha reação foi: ok, então a minha vida na música já terminou, agora preciso me dedicar à minha família, porque não sei quanto tempo tenho, e fica esse medo contínuo. Você quase pensa que a música não é tão importante nos momentos assim, mas me equivoquei, porque, depois de agosto, quando chegou a canção pelo filme, e cantei uma vez mais e escrevi uma vez mais, fiquei mais tranquila com todo o resto. A música é sempre uma resposta para quem faz e para quem escuta. Essa música me deu força. Então, estou escrevendo muito, compondo muito, estou preparando uma coisa nova. Não sei quando sai. Até agora não tenho material suficiente para que a gente possa escutar bem as minhas emoções. Então, preciso de mais tempo para fazer um disco. Mas estou escrevendo. E não estou morta artisticamente."
Veja clipe de Io Sì: