O quebra-cabeças que revela quem inspirou 'Eleanor Rigby' dos Beatles
Apesar de sempre defender que mulher de canção é totalmente fictícia, Paul McCartney admitiu que o nome pode ter sido influência 'subliminar' de lápide de cemitério em Liverpool; conheça a história por trás da letra da música.
Num cemitério de Liverpool, na Inglaterra, há uma lápide com o nome de Eleanor Rigby. O rascunho original da música de mesmo nome e a escritura de um jazigo serão vendidos este ano como parte de um leilão de memorabilia dos Beatles. Mas qual é a história por detrás da música?
John Lennon e Paul McCartney se conheceram em uma quermesse de igreja. A lápide de Eleanor Rigby fica a apenas algumas quadras de distância. Ela foi uma copeira que morreu aos 44 anos, em 1939.
Nove anos depois, McCartney escreveria a letra do que se tornaria um dos maiores sucessos dos Beatles.
A música conta a história de uma mulher que "morreu na igreja, e foi enterrada com o nome (da família)" ("Died in the church and was buried along with her name", no original em inglês). Geralmente, é interpretada como um lamento para as pessoas de vida solitária, ou como um comentário sobre a vida na Inglaterra do pós-guerra.
É tentador imaginar John Lennon e McCartney adolescentes, contemplando a lápide e imaginando a vida de Eleanor, antes de escrever a letra.
Mas a realidade é que pouca gente sabia da existência da lápide antes dos anos 1980. E o próprio McCartney negou que a tumba tenha servido de inspiração.
Isto não impediu que a escritura do jazigo dessa lápide fosse incluído no leilão, com um lance mínimo de £4.000,00 (R$ 16.279,60, na cotação de segunda-feira). Ela está entre outros itens relacionados aos Beatles que serão leiloados até esta quinta-feira.
O escritor David Bedford, autor de vários livros sobre os Beatles, disse ter achado "estranho" tanto interesse em uma pessoa que aparentemente não tem qualquer relação com a música.
"A partitura da música, até entendo. Mas o jazigo, realmente é incomum", disse.
"Não sei quem compraria a escritura de um jazigo. Estou curioso para ver quem vai comprar e por quanto", diz Bedford.
Mas Bedford também acha que seria "muita coincidência" se a lápide nunca tivesse passado pela cabeça de McCartney, pelo menos de forma subliminar. "A mitologia em torno da tumba aumenta todo ano", diz ele.
Fatos sobre a música Eleanor Rigby
- Escrita principalmente por McCartney, Eleanor Rigby foi lançada em 1966 como parte de um compacto de dois singles, que trazia, do outro lado, a música Yellow Submarine;
- A música também entrou no álbum Revolver (1966), e o single saiu no mesmo dia;
- O single passou quatro semanas no topo das vendas do Reino Unido;
- Nos EUA, chegou ao 11º lugar e foi indicada para três Grammys.
A música parece ter sido modificada várias vezes antes de chegar ao formato final.
McCartney disse que quando se sentou ao piano pela primeira vez para trabalhar na canção, o nome "Daisy Hawkins" passou por sua mente. Depois, mudou para Eleanor, em homenagem à atriz Eleanor Bron, que aparece em no filme Help! dos Beatles.
Em um determinado momento, o sobrenome foi mudado para Bygraves. É o que diz Spencer Leigh, autor de um livro sobre os Beatles. Mas McCartney depois mudou o sobrenome para Rigby, adotado de uma distribuidora de bebidas em Bristol ("Rigby & Evens Ltd, Wine & Spirit Shippers").
"Eu simplesmente gostei do nome", disse McCartney em 1984. "Eu estava atrás de um nome que soasse natural. Eleanor Rigby soava natural", diz ele.
Em 2008, a certidão de nascimento de uma mulher chamada Eleanor Rigby foi levada a leilão. Ela está enterrada no cemitério da igreja St. Peters em Woolton, Liverpool, onde está a lápide.
"Eleanor Rigby é um personagem totalmente fictício que eu inventei", disse McCartney na ocasião.
"Se alguém quer gastar dinheiro comprando um documento que prova a existência de um personagem fictício, por mim tudo bem". Mais tarde, ele admitiu que o fato de ter passado em frente à lápide pode tê-lo influenciado de forma subconsciente.
Para Spencer Leigh, é provável que as visitas de McCartney ao local quando criança tenham ficado na memória dele.
"John Lennon era ligado àquela igreja. Foi inclusive integrante do coral", diz o escritor Leigh.
"O tio [de Lennon] morreu em 1955, ainda jovem. O nome era George Toogood Smith (em português, soaria algo como George "bom demais" Smith). Lennon adorava este nome e costumava levar os amigos à lápide para mostrar", diz Leigh.
"Então, é possível que McCartney tenha visto a lápide dos Rigby e guardado na memória. É possível. Mas a verdade é que nós não sabemos, e acho que nem o próprio McCartney sabe", diz.
Karen Fairweather, da empresa de leilões Omega Auctions, diz que a ligação entre a Eleanor Rigby real e a música é "folclórica" e não está baseada em "fatos concretos".
"É claro que a lápide está lá. E os Rigbys moraram perto de onde John Lennon vivia", acrescenta ela.
Mesmo assim, a despeito da origem do nome, Eleanor Rigby continua sendo parte da história da banda e da "indústria dos Beatles" existente em Liverpool. A lápide é parte do roteiro de guias turísticos e uma escultura de Eleanor Rigby pode ser vista na rua Stanley.
Para Leigh, a música é "perfeita". Tanto na melodia quanto na representação de uma típica mulher de Liverpool daquela época. "A Eleanor Rigby real trabalhou como uma espécie de copeira. Encaixa muito bem [com a letra]".
Leigh diz que o cantor de jazz George Melly resumiu muito bem o tema: "Eleanor Rigby foi escrita a partir das experiências deles [dos Beatles] em Liverpool".
"Me atingiu como um poema logo quando eu li", disse. "Se você ler Love Me Do sem a música, não significa muito. Mas se você ler Eleanor Rigby, é um poema sobre uma pessoa. Algo que não havia sido feito até então na música popular", diz Leigh.