Os 10 melhores álbuns nacionais de 2024
Uma seleção diversa para um ano riquíssimo na música nacional: confira os maiores discos do ano na seleção da redação e da crítica da Rolling Stone Brasil
É seguro dizer que a seleção com os 10 melhores álbuns de 2024 representa bem o total de discos indicados: foram 88 materiais de diferentes gêneros e gerações que apareceram na lista para serem votados entre os melhores. E o resultado apareceu, tão diverso e interessante quanto poderia se esperar.
No retrato que compõe os maiores álbuns deste ano, o Tuyo entra com uma Paisagem mais otimista que em anos anteriores. Céu colabora com seu enredo de Novela. Samuel Rosa traz sua cor, Rosa, no primeiro voo solo pós Skank; e Liniker dá o sabor onipresente do Caju à mistura.
O romance aparece jovem, na Amaríssima de Melly, e também maduro, com a declaração definitiva de Hermeto Pascoal em Pra Você, Ilza. Há ainda o drama emotivo da Fresno em Eu Nunca Fui Embora, e a sacanagem dançante de Duda Beat em Tara & Tal. À frente do flash, o destaque para a maturidade de Febem e CESRV em Abaixo do Radar. E do Black Pantera vem a duração do retrato, de um ano Perpétuo.
O orgulho da seleção de um ano multifacetado talvez dê espaço à vontade de mencionar mais alguns grandes votados na eleição entre os críticos e jornalistas da Rolling Stone Brasil - a potência de Chico Cesar e Zeca Baleiro em Ao Arrepio da Lei, o sentimento de Jota.pê em Se o Meu Peito Fosse o Mundo ou a rima rápida de Duquesa em Taurus Vol. 2. Mas assumimos o risco: indicamos abaixo os melhores entre os melhores, aqueles que, reunidos, mostram mais uma vez a potência diversa da música brasileira.
10. Febem, CESRV - Abaixo do Radar
Nos quatro primeiros discos de estúdio da carreira — Elevador (2016), Prata (2017), RUNNING (2019) e JOVEM OG (2021) — e em BRIME!, disco colaborativo com Fleezus e CESRV que se tornou um dos grandes sucessos recentes do rap brasileiro, Febem sempre trouxe tópicos voltados à vida urbana e daquilo que acontece nas ruas e periferias.
Porém, no mais recente álbum, intitulado ABAIXO DO RADAR (o melhor de rap em 2024), Felipe Desiderio, de certa forma, isolou-se. Seja na capa ou nos videoclipes desta era, o rapper aparece sozinho, em regiões mais rurais.
A curta duração te deixa com desejo de ouvir mais, mas o conteúdo denso faz valer a pena. No disco, Febem mostra ao ouvinte uma conversa consigo mesmo, na qual analisa a própria saúde mental e sanidade ("SUPER HIP-HOP"), papel do hip hop na arte dele ("OBRIGADO MAINSTREAM"), necessidade de continuar trabalhando e consequências de se posicionar e ser autêntico em uma indústria que busca cada vez mais moldar os artistas ("RELÓGIO"), entre outros. Claro, ainda existe espaço para ele cantar sobre ostentação ("NAVE") e falar sobre amor ("CHUCRO BUARQUE").
Abaixo do radar, sim. Acima da média, sempre. Neste álbum marcado por uma sonoridade rica, com rap, trap, grime, drill e Boom Bap, com a produção e beats feitos com excelência por CESRV, Febem faz aquilo que muitos rappers deixam de fazer atualmente: ritmo e poesia. - por Felipe Grutter
9. Melly - Amaríssima
Melly tem apenas 23 anos, mas escreve como gente grande. Com os primeiros lançamentos musicais feitos em 2018, a coisa tomou outra proporção em 2021 quando lançou o EP Azul, com a faixa-título se tornando seu primeiro grande sucesso.
Em Amaríssima, no entanto, conhecemos a cantora e compositora — e por que não atriz também, já que o lançamento veio acompanhado de clipes que amarram a história — de maneira mais profunda, enquanto ela brinca com o pop, o samba-reggae e o ijexá.
O disco fala fundamentalmente sobre amor, como revela a primeira faixa, "Falar de Amor", mas sem ser meloso ou óbvio. É um trabalho com uma visão madura sobre o sentimento e tudo que ele pode trazer.
Com participações de peso com Liniker e Russo Passapusso - que deu à artista a chave de seu próprio estúdio - Melly mostrou que gosta de nadar com peixes grandes e faz isso com maestria, não à toa o álbum foi indicado ao Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa na edição mais recente do Grammy Latino. - por Pedro Figueiredo
8. Samuel Rosa - Rosa
Lançado em junho de 2024, Rosa marca a estreia solo de Samuel Rosa após mais de três décadas dividindo os palcos com o Skank.
O disco traz 10 faixas compostas e gravadas entre janeiro e fevereiro, com destaques como "Segue o Jogo", "Rio Dentro do Mar" e "Me Dê Você".
À Rolling Stone Brasil, Samuel Rosa revelou que o trabalho foi criado para atender a um desejo pessoal de produzir material inédito: "o Skank, nos últimos anos, ficou só com releituras. Eu estava com essa verve criativa represada".
Para os fãs mais acostumados com o quarteto mineiro, Rosa pode até soar como uma continuação do trabalho da banda. Mas o cantor reconhece que a semelhança faz parte da sua verdade enquanto artista:
"Não procurei evitar que meu disco soasse parecido com alguma coisa do Skank. Eu não estou brigado com o meu passado. [...] Cumpriu-se um ciclo e eu quis falar muito da finitude, dos nossos processos que têm começo, meio e fim. O disco fala de mim. E amor é a forma que eu escolhi para falar de mim." - por Rodrigo Tammaro
7. Duda Beat - Tara e Tal
Duda Beat lançou em abril de 2024 seu terceiro álbum de estúdio, Tara & Tal. No disco, a cantora imprime um novo estilo, que reflete sua evolução enquanto artista.
"Esse vai ser um álbum para dançar - ainda vai ter ali os 30% de sofrência, mas eu quero me jogar", disse à Rolling Stone Brasil.
E dançando ela entrega suas 12 faixas, como "PREPARADA", "Quem Me Dera" — fruto de uma parceria com Liniker — e o single "SAUDADE DE VOCÊ", o álbum traz batidas eletrônicas inspiradas nas tendas das praias de Pernambuco.
É uma aposta acertada da cantora, que assinou pela primeira vez com uma gravadora (com a Universal em 2023), deixando a pecha de independente para trás, enquanto navega por sua carreira dinâmica, longe de estacionar em um mesmo estilo.
"Eu sempre vou trazer um negócio diferente, um negócio novo, senão vou me entediar. Eu sempre fui a Duda Beat, que inaugurou a prateleira da sofrência pop, do pop alternativo, o que quer que seja. Então isso é muito poderoso, não tem como comparar. E isso é o que me faz ser eu." - por Rodrigo Tammaro
6. Fresno - Eu Nunca Fui Embora - Parte 1
Com Eu Nunca Fui Embora - Parte 1, a Fresno reafirma sua posição de destaque no cenário do rock nacional e no coração dos fãs do emo brasileiro. A primeira parte deste álbum duplo é um testemunho da capacidade da banda de se reinventar sem abrir mão de suas raízes emocionais. Com sete faixas, o disco explora temas como nostalgia, desilusões amorosas e superação.
A faixa-título, que abre o álbum, é um mergulho direto na essência da banda. Com letras que remetem aos primeiros sucessos como "Redenção" (2008), a música encapsula a jornada emocional da Fresno enquanto aponta para um futuro mais experimental. "Já Eu Te Amo / Eu Te Odeio (IÔ-IÔ)", uma parceria com Pabllo Vittar, surpreende ao unir o pop característico da cantora com o peso emocional do rock. A transição entre os estilos é feita de maneira fluida, que mostra a versatilidade da banda e sua habilidade em criar conexões inesperadas.
A produção de Lucas Silveira é um ponto alto, com transições inteligentes entre as faixas e uma coesão que amarra todo o álbum. Músicas como "Quando o Pesadelo Acabar" e "Me And You (Foda Eu e Você)" exemplificam essa abordagem, mesclando arranjos eletrônicos e momentos mais crus
Eu Nunca Fui Embora - Parte 1 é mais do que uma reunião de novas músicas; é um marco na evolução artística da Fresno. A banda consegue dialogar tanto com os fãs que acompanham sua trajetória desde os anos 2000 quanto com um novo público que encontra no emo contemporâneo uma voz para suas próprias experiências emocionais. - por Aline Carlin Cordaro
5. Hermeto Pascoal - Pra Você, Ilza
A vitória de Pra Você, Ilza no Grammy Latino como Melhor Álbum de Jazz Latino/Jazz rendeu a Hermeto Pascoal um merecido reconhecimento a um de seus trabalhos mais singelos - o álbum feito em memória de sua esposa e companheira de vida, Ilza da Silva, com quem conviveu por 46 anos: "tudo que eu fazia e continuo fazendo é uma homenagem pra ela", disse o alagoano à Rolling Stone Brasil.
Feito a partir de um livro de canções resgatado pelo filho do casal, Fábio Pascoal, o disco sai 24 anos após a partida de Ilza. O repertório foi escolhido do registro e 198 partituras escritas entre 1999 e 2000. Ele foi gravado em meio à natureza, na região serrana do Rio de Janeiro, entre arranjos e improvisos do grupo formado por André Marques (piano), Jota P (saxofone), Itiberê Zwarg (baixo), Ajurinã Zwarg (bateria) e o próprio Fábio Pascoal (percussão).
Ainda que não seja a primeira vez que Pascoal homenageia Ilza em sua composições - há "Ilza na Feijoada", "Voa, Ilza" ou a bela, emocional, "Menina Ilza", para ficar nas faixas nominais -, aqui ele transporta para dentro do cotidiano com a esposa, em faixas como "Passeando pelo jardim", "Recordações do Recife" ou "Do Rio para Recife". O resultado vem no uso de sons domésticos como instrumentos, como o arranhar de uma porta ou o cantar de insetos - e na sensação profundamente emocional de ser transportado para dentro uma história do amor real, palpável, brasileira.
"[Ilza] foi minha companheira desde Recife, depois em São Paulo e no bairro do Jabour no Rio de Janeiro. Tivemos seis filhos juntos, e ela representa muito pra mim. Ela está sempre presente comigo, me acompanhando nas coisas que eu faço, então todas as homenagens são merecidas", explica Pascoal. - por Eduardo do Valle
4. Tuyo - Paisagem
A banda mais simpática da música brasileira contemporânea, Tuyo está mais estabelecida e madura do que nunca. Durante a produção de Paisagem, Lio, Lay e Machado embarcaram em uma jornada que representaria um grande marco na carreira do grupo curitibano, que evolui mais e mais a cada disco de estúdio. Lançado em abril de 2024, o álbum foi um "chutão para o futuro," como descreveu Machado em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Com 10 faixas, o trabalho, que mistura R&B com pop e música eletrônica, trouxe um novo método para a banda, especialmente com colaborações que abrangem esse repertório, seja com Vhoor, JLZ, Lucas Romero, Mateus Romero, JOCA, Arthur Verocai (que participa, sem surpresas, da melhor faixa de Paisagem, "Apazigua") ou Luedji Luna.
Com ótimo humor, Lio descreve o som deles como baixo astral upbeat. Aqui, a estrutura, na verdade, está mais upbeat do que baixo astral. Ao longo da dezena de canções, Tuyo nos convida para refletir sobre a vida e a passagem do tempo, além dos dilemas que precisamos enfrentar diariamente.
Talvez, lá no começo, quando Lio, Lay e Machado tinham muita força de vontade, talento, violão na mão e muito para desabafar, não imaginavam a linda trajetória que trilhariam. Com todas as dificuldades que um artista independente passa, Tuyo pintou uma paisagem digna de um filme vencedor de Oscar — e mal esperamos para ver o que vem por aí. - por Felipe Grutter
3. Céu - Novela
Novelaé uma novidade com gostinho de nostalgia. A cantora e compositora paulistana Céu gravou o disco nos Estados Unidos, assim como fez no seu primeiro álbum, Céu(2005), e dessa vez, de maneira completamente analógica, o que ela classificou como futurista e "nada vintage."
Com participações internacionais como nacionais, Loren Oden e Ladybug Mecca e composições de Marcos Valle, Nando Reis e Kleber Lucas — além de faixas escritas pela própria Céu e por Lucas Martins, parceiro de trabalho há anos — Novela foi produzido por ela ao lado e Pupillo e Andrian Younge.
O resultado não poderia ser melhor: esse disco é uma trilha sonora completa e nos transporta para um folhetim com tema de abertura em "Into My Novela", sedução em "Cremosa", e romance, com "Crushinho".
Se Nova York fez com que Céu se descobrisse compositora no início dos anos 2000, a volta a Los Angeles reafirma todo o talento para escrever e interpretar as canções inspiradas pelo cotidiano, como uma novela que vale a pena ver de novo. - por Pedro Figueiredo
2. Black Pantera - Perpétuo
Se ainda restava algum questionamento de que o rock está vivo, o Black Pantera vem aí, injetando sangue novo (e afro-latino) sobre o gênero. No quarto disco de estúdio da carreira, Chaene da Gama (baixo), Charles da Gama (voz e guitarra) e Rodrigo Pancho (bateria) se reinventaram ao olhar para trás, seja na ancestralidade ou na riqueza da música sul-americana.
Apesar da sonoridade ter ampliado, marcada fortemente pelos instrumentos de percussão, o trio mineiro - que integrou a lista Future of Music da Rolling Stone Brasil em 2024 - segue com a essência intacta. Com letras altamente politizadas e conscientes, os artistas fizeram um disco atual, mas que se perpetuará ao longo dos próximos anos. Afinal, como os próprios costumam dizer, "foguete não tem ré"! - por Felipe Grutter
1. Liniker - Caju
Quem é Caju? Essa definitivamente foi uma das perguntas mais feitas por fãs de Liniker desde o anúncio do novo álbum. Um alter ego? Uma personagem? Não sabemos. Mas conhecer sua personalidade ao longo das 14 faixas do álbum da cantora e compositora Liniker foi a experiência sonora mais interessante do ano: os sons, as texturas, tudo no disco é tão bem planejado quanto executado.
Aqui, falando de amor por uma perspectiva positiva, aprendemos com ela que "todo mundo merece amor, até uma pop star".
Brincando com ritmos e gêneros que ela ainda não havia explorado, Liniker conduz Caju na contramão de uma indústria que cada vez mais privilegia música pasteurizadas e curtas. A artista colocou em seguida na tracklist três faixas de mais de sete minutos, "Veludo Marrom", "Ao Teu Lado" e "Me Ajude a Salvar os Domingos", apesar das faixas passarem sem sentirmos o tempo.
Outro ponto alto são as participações: Amaro Freitas, ANAVITÓRIA, BaianaSystem, Melly, Priscilla Sena, Lulu Santos, Pabllo Vittar e Tropkillaz se unem à artista em faixas que flertam com o pop, piseiro, samba, o pagode, house music e até a música clássica.
Para quem acompanha a artista desde há quase uma década, quando ela se lançou como parte da banda Liniker e os Caramelows com o EP Cru (2015), ou mesmo em comparação com o primeiro disco solo, Indigo Borboleta Anil (2021), Caju mostra uma faceta completamente nova, com a cantora cantando o amor e a autoestima.
Podemos seguir nos questionando sobre quem é Caju, mas não há dúvidas sobre como é lindo conhecer esse lado de Liniker. - por Pedro Figueiredo
Participaram: Ademir Corrêa, Aline Carlin Cordaro, Camila Gomes, Eduardo do Valle, Felipe Fiuza, Felipe Grutter, Heloísa Lisboa, Igor Aleixo, Igor Miranda, Luan Bertolini, Pedro Figueiredo, Rodrigo Tammaro, Wallacy Ferrari