Pitty diz que 'purismo e reacionarismo fizeram o rock parar no tempo' e 'perder conexão' com público
Cantora e compositora lança o álbum 'Admirável Chip Novo (Re) Ativado', no qual delega as músicas do disco a artistas como Ney Matogrosso, Pabllo Vittar, MC Carol, Emicida, Céu e Planet Hemp
Ao se colocar como mera ouvinte de onze intérpretes das músicas de seu álbum inegavelmente mais significativo, Admirável Chip Novo, Pitty praticou não apenas o desapego à letras de canções como Equalize, Teto de Vidro e Máscara, mas também como espectadora sobre o futuro do rock brasileiro, do qual ela é figura fundamental.
Em Admirável Chip Novo (Re) Ativado, que chega às plataformas de música nesta sexta-feira, 6 de outubro, Pabllo Vittar coloca novos beats em Equalize, Emicida versa sobre Teto de Vidro e Ney Matogrosso traz maturidade para Máscara.
O disco, produzido por Pitty e Rafael Ramos - que assinam a direção artística em conjunto, mas não participaram dos caminhos musicais das 11 faixas, delegados a cada convidado e seus produtores - é plural. Talvez como o rock deveria ser para conseguir sair de seu nicho.
"Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência", diz Pitty ao Estadão.
Além de Pitty, Emicida e Ney, participam dessa reativação de Admirável Chip Novo Planet Hemp, Tuyo, Céu, Criolo, Tropkillaz, Sandy, MC Carol, Marina Peralta e Rockers Control e Supercombo. Com tamanha diversidade sonora, coube à masterização deixar tudo equilibrado a favor de uma linearidade e um conforto de audição que, incrivelmente, ocorre e faz a iniciativa passar longe de um amontoado de faixas desencontradas ou que prestam mero culto às gravações originais.
Em conversa com a reportagem do Estadão, Pitty falou ainda sobre a posição do rock brasileiro no cenário musical atual, sobre gêneros como o rap, o trap e o funk - que atualmente ocupam os rankings de músicas mais ouvidas no País - e , em especial, de duas artistas que participaram do do álbum Admirável Chip Novo (Re) Ativado. Pabllo e MC Carol. "Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! A Pabllo me encantou", diz.
Você tem feito a turnê de 20 anos do álbum Admirável Chip Novo, inclusive no festival Turá e no The Town. Ela gera certa nostalgia no público - e é recebida com afeto. É isso mesmo que você percebe?
Eu percebo, sim, esse afeto. Mas também percebo que o público ressignificou as canções (do álbum) e as entende na contemporaneidade. Todos estão em outro momento da vida, mas as músicas continuam fazendo sentido para eles. Ou despertam outros entendimentos. Pode ser que algumas pessoas antes entendiam apenas a sonoridade delas, mas agora entendem a lírica.
E você? Ressignificou esse álbum?
Sim. Passei anos sem tocar metade de suas músicas. Fui fazendo outras canções, outros discos. Foi uma surpresa cantá-las novamente. Perceber que elas ainda fazem sentido para mim, que não precisei mexer nos tons. Minha voz está aqui. É um repertório rock'n' roll mesmo!
Por falar em rock, você foi a única artista brasileira no dia do rock no palco principal do The Town. O que isso mostra sobre a cena do rock brasileiro?
Essa análise não é para os críticos de música? Difícil falar como uma personagem que está dentro do rolê. Mas, tudo bem, vou dar a minha visão. Sempre houve altos e baixos.
Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência. Isso dá trabalho. Precisa ser feito com coerência artística. Mas, o que é o rock? Ele tem muito mais a ver com o conteúdo do que a forma, não é?
No Admirável Chip Novo (Re) Ativado, você convidou a MC Carol para cantar Só de Passagem, que é uma letra sua que fala sobre aceitação, de ser o que se é. O principal sucesso dela é 'meu namorado é mó otário/ Ele lava minhas calcinha (sic)'. De certa forma, a MC Carol tem essa mesma mensagem de afirmação. Talvez de uma maneira mais simples...
Sim, mesmo dentro de estilos diferentes, a gente identifica a mensagem. Cada um se expressa de uma maneira. Essa é a dela. Nem todo mundo cresceu com acesso a mesma linguagem. Novamente, o que importa é o conteúdo, não a forma. A MC Carol tem putaria na obra dela. Mas também, fora de uma mulher padrão, ela fala sobre empoderamento. E, se afirmar fora de um corpo de uma mulher padrão, é muito mais complicado. E isso me interessa muito.
A Pabllo fez uma versão totalmente diferente para Equalize, com batida eletrônica, que abre um bloco interessante dentro do álbum que aponta para uma diversidade sonora para muito além do rock...
Eu achei a versão dela divertidíssima! Ela fez com o Gorky (o produtor Rodrigo Gorky), um cara antenado com os beats. Ela se expressou. Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! Ela me encantou.
Você deu total liberdade para os artistas convidados criarem em cima desse repertório, foi isso?
Total. Estou como ouvinte. Dei zero opinião. Eu e o Rafael Ramos fomos escolhendo quem seriam os artistas e as músicas. Queríamos que todos ficassem confortáveis, que trouxessem suas identidades. Queria ser surpreendida. Ouvir algo que nunca imaginei nessas músicas. Ainda vou fazer um podcast contando como escolhemos cada convidado.
Você teve que praticar o desapego com essas músicas que ficaram muito marcadas na sua voz...
Muito. Estou no ano do desapego e achando ótimo. Gosto de cuidar de todos os aspectos da minha carreira. Estou tentando ser menos neurótica. Não que eu tenha conseguido, mas estou no caminho.
Como foi ouvi-las cantadas por homens?
A fluidez passa por isso. Homens, mulheres, queers... É uma gama que mostra como o rock pode e deve ser permeável em todas as camadas. Quem sabe, dessa forma, ele possa ir em direção ao futuro. Dizem que a gente só tem o agora, mas eu gosto de pensar que temos também o futuro (risos).
Você foi anunciada no line up do festival I Wanna Be. Ele tem uma certa nostalgia emo. Achou importante estar nele?
Achei que seria interessante estar porque os line-ups de festivais são carentes de figuras femininas. É importante ocupar os espaços que podemos, desde que não nos ofenda artisticamente.