Xscape, CD póstumo de Michael Jackson, salva sua discografia
Dizer que Xscape representa melhor momento da carreira de Jackson é exagero, mas registro lançado hoje é ponto alto da discografia do astro morto em 2009
Enquanto vivo, a trajetória discográfica de Michael Jackson tinha claramente um ar decadente. Invincible, seu último disco de inéditas, lançado em 2001, e portanto com o artista ainda vivo, é um desastre. Michael, o primeiro álbum póstumo, lançado um ano após sua morte, é uma tragédia. É de se entender, portanto, todas as reticências quanto a Xscape, registro de inéditas lançado nesta semana. A surpresa é que Xscape seria o disco que teria feito o mundo curvar-se novamente ante o autoprocalmado Rei do Pop se ele estivesse vivo. Curvemo-nos diante de sua memória, porque ele ainda reina.
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O que faz Xscape ser diferente não é exatamente o trabalho de diversos produtores em faixas esquecidas de Jackson, já que esse foi o mesmo embrião que se transformou no horroso Michael, de 2010. O que chama a atenção é o tipo de trabalho feito em cada faixa. A seleção de produtores encabeçada por L.A. Reid e Timbaland soube, na maioria das vezes, quando intervir nas composições originais e preservar muito da personalidade de Jackson nas canções.
E isso fica evidente na edição de luxo de Xscape que, além das 8 faixas inéditas, traz ainda as versões originais de cada canção. É o caso de Love Never Felt So Good, faixa composta originalmente em 1983 e que abre este novo disco. Tanto na demo, quanto na versão final, todos os elementos musicais de um Michael Jackson que havia acabado de lançar Thriller ao lado de Quincy Jones estão lá. Resultado: a faixa derrama suingue.
Já Chicago, a segunda faixa parece um híbrido da fase Dangerous (1991) com letra de Billie Jean no estilo "ela me fez mal". Loving You e Slave To The Rhythm são dois exemplos de um polimento exagerado por parte dos produtores que tirou um pouco da identidade das canções. A tentativa de dar uma sonoridade mais contemporânea acabou deixando as duas faixas artificiais.
Entretanto, esse mesmo tipo de intervenção é melhor em A Place With No Name. A faixa funciona muito bem tanto na versão final quanto na original, ainda que as duas sejam musicalmente distantes. Enquanto a original é uma faixa com violões e bateria acústica, a roupagem da final parece uma parceria entre Michael Jackson e Daft Punk.
Mas um dos trabalhos mais impressionantes do disco é Do You Know Where Your Children Are, sobra de HIStory (1995). A letra, que fala sobre um caso de abuso infantil de uma criança que acaba por se prostituir nas ruas de Los Angeles, tem tema e música muito próximos dos últimos trabalhos de Jackson. Neste caso, a dedicação em cima da faixa parece mais uma tentativa de modernizar o já moderno.
A penúltima do disco, Blue Gangsta, é uma faixa que não surpreenderia se tivesse sido incluída em Bad (1987). A transição do suingue para o pop é evidente tanto na melodia quanto na voz de Jackson que vai do falsete contido ao grito rouco e rasgado e acompanha bem a nova instrumentação, agora quase toda eletrônica que deixa em segundo plano o piano da versão demo.
Xscape termina com a faixa-título que já havia sido divulgada há algumas semanas. Aqui, tanto a demo quando a versão de trabalho variam pouco e funcionam apenas para evidenciar um Michael Jackson clamando por liberdade, querendo escapar de algo. É o mesmo grito contra a opressão (midiática, financeira, racial) que Jackson tantas vezes expressou em suas letras.
Dizer que este novo álbum é melhor que os outros lançamentos póstumos de Jackson é pouco, dada a baixíssima qualidade dos outros títulos. Por outro lado, colocá-lo como o ponto alto de uma carreira que tem tesouros musicais como Off The Wall (1979) e Thriller é um descalabro. Mas Xscape é no mínimo um disco muito bom, que mostra o talento e compreensão que Michael Jackson tinha da música pop. Ainda que tenha escondido isso em seus últimos anos de vida.