Script = https://s1.trrsf.com/update-1736967909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

As Principais Notícias dos Estados Unidos

"Não tem nada de gay": o elo entre Trump e o Village People

Após resistência inicial, herdeiro da banda se apresenta até na posse presidencial. Tudo pelo dinheiro?

18 jan 2025 - 12h57
(atualizado às 14h11)
Compartilhar
Exibir comentários
Trump aparece dançando ao som de Village People após discurso da vitória nos EUA:

É longa a lista dos músicos que, durante as campanhas presidenciais de 2016, 2020, e 2024, se manifestaram contra o uso de suas canções nos comícios do candidato Donald Trump: ela vai do Abba aos White Stripes. E, a certa altura, a banda Village People também.

Em junho de 2020, o líder do grupo, Victor Willis, se opôs publicamente à prática. Mais tarde, criticando a ameaça do então presidente de empregar força militar contra os manifestantes do movimento Black Lives Matter, ele, que é negro, postou no Facebook: "Desculpem, não dá mais para olhar para o outro lado."

Mais adiante, porém, Willis mudou o tom, ao notar que, 46 anos depois, durante a campanha de 2024, a canção Y.M.C.A. estava tendo uma onda de sucesso renovado, emplacando os primeiros lugares do Billboard entre as músicas de dança mais vendidas.

"Os benefícios financeiros foram ótimos, também, pois se calcula que Y.M.C.A. vai fazer vários milhões de dólares, desde o uso continuado pelo presidente eleito", reconheceu Willis num post em dezembro.

"Unir o país com música"?

Agora o Village People se mostra pronto para "olhar para o outro lado" de vez, pois aceitou o convite da equipe trumpista para se apresentar em diversos eventos de posse, pelo menos um dos quais na presença do próprio magnata nova-iorquino.

"Sabemos que alguns de vocês não vão ficar felizes de ouvir isso, no entanto nós acreditamos que música é para ser tocada, sem considerar a política", justificou-se o grupo em sua página oficial no Facebook.

"Nossa canção Y.M.C.A. é um hino global que, esperamos, vai ajudar a unir o país depois de uma campanha tumultuosa e dividida, em que o nosso candidato preferido perdeu", prossegue o post. "Então agora acreditamos que é hora de conciliar o país com música."

O anúncio nas páginas oficiais do Village People e de Victor Willis desencadeou milhares de comentários. Enquanto os seguidores de Trump saudaram a decisão, ativistas LGBTQ+ expressaram choque, lembrando que, originalmente, o grupo de disco music começou no fim dos anos 1970 como um ícone da comunidade gay, e que o movimento trumpista "Make America Great Again" (MAGA) é abertamente homofóbico e contrário ao casamento homoafetivo.

"Não podemos colocar a política de lado, quando é essa mesma política que vai privar os LGBTQs, as mulheres e outros dos seus direitos. Não se está cantando numa celebração, mas num funeral dos valores americanos", escreve Aundaray Guess, diretor executivo da ONG Griot Circle, de Nova York, dedicada ao combate de todas as formas de opressão a minorias.

De ativismo gay a mainstream

O Village People foi criado em 1977 pelos produtores musicais franceses Jacques Morali e Henri Belolo, na esperança de fazer sucesso nos Estados Unidos. Morali era abertamente homossexual, mas foi participando de festas gays em Greenwich Village que ambos chegaram à ideia de reunir um grupo de cantores e dançarinos fantasiados para encarnar diferentes figuras do imaginário gay: um cacique americano, um caubói, um policial, um operário de construção, um motoqueiro de roupa de couro, um marinheiro.

Portanto o Village People era um boy group criado artificialmente, como tantos outros, mas especificamente concebido para apelar à comunidade gay numa época crucial da liberação e ativismo político queer, também intimamente ligados ao movimento disco.

Morali estava "engajado em dar fim à invisibilidade cultural dos gays", afirma a musicóloga Alice Echols em seu livro Hot stuff: Disco and the remaking of American culture (Coisa quente: Disco e o remake da cultura americana), de 2010. Ela cita uma entrevista dada pelo produtor francês em 1978 à revista Rolling Stone, após revelar sua homossexualidade: "Eu penso que os gays não têm nenhum grupo, ninguém para personalizá-los, sabe?"

Echols também ressalva que, embora a banda tenha realmente contribuído para visibilizar a cultura gay, o público heterossexual não interpretou necessariamente seu estilo como travestismo macho gay. E as canções - que brincam com laços masculinos especiais nos regimentos militares (In the Navy) ou na Associação Cristã de Moços (Y.M.C.A.) - logo foram adotadas pelo mainstream.

De fato: até hoje, de bebês a idosos, qualquer um pode se divertir saudavelmente soletrando as iniciais Y M C A com os braços, ao som do hit dos anos 70, sem pensar em eventuais duplos sentidos sobre as formas de diversão dos rapazes na ACM. E assim o Village People contribuiu para apresentar "as identidades gays de machos urbanos como produtos de mídia banais", conclui Echols.

"I gotta be a macho man"

Ao aquecer as multidões em seus comícios com a canção Macho man, Donald Trump e sua agenda MAGA falam de perto aos homens para quem o feminismo e os movimentos pelos direitos LGBTQ+ são uma ameaça, e que tentam redefinir seu papel através de uma hipermasculinidade - incorporando o hiperbólico "homem macho".

Ao analisar como Trump e o Village People combinam perfeitamente, analistas costumam recorrer ao termo "camp", evocando a intelectual americana Susan Sontag. Em seu ensaio Notes on 'camp', de 1964, ela reconhece que o conceito é muito difícil de definir, tratando-se, antes, de algo que se reconhece ao se deparar com ele, que desperta a reação "é bom porque é horrível".

O camp "neutraliza a indignação moral" pela brincadeira, explica Sontag. A comunidade LGBTQ+ adotou desde cedo essa estética, como recurso protetor, ao promover seu estilo de vida e valores. No entanto o conceito em si independe de gênero ou sexualidade.

Trump lança mão do camp de modo análogo: sua fanfarronice debochada o protege de consequências, já que ninguém sabe ao certo quando ele está brincando ou falando sério. Como analisa Dan Brooks, num artigo para o New York Times Magazine, um "miasma de ironia mal definida, mas sempre presente, torna quase impossível zombar de Trump".

Processo para quem disser que Y.M.C.A. é hino gay

Enquanto cantor principal do Village People, Willis escreveu junto com Morali alguns dos maiores sucessos da banda, como Macho man, Y.M.C.A., In the Navy e Go West. Contudo desligou-se em 1979, na esperança de fazer carreira solo. Na década de 2010, ao longo de anos de batalhas legais, obteve 50% dos direitos autorais de muitas das músicas do grupo.

Como Morali morreu em 1991 de complicações médicas relacionadas à aids, num acordo judicial Willis foi considerado o único proprietário vivo das canções. Ele reuniu-se ao Village People, substituiu todos os membros, e agora, como dono da banda, pratica rebranding agressivo, a fim de redefinir a percepção de seus sucessos. Entre outras medidas, ameaça processar qualquer veículo de imprensa que caracterize Y.M.C.A. como um hino gay.

Ele alega que a intenção nunca foi fazer um statement político ou cultural. "Quando eu digo 'hang out with all the boys' [passar tempo com todos os garotos], era simplesmente uma gíria dos negros dos anos 70 para se encontrar e fazer esporte, apostas, qualquer coisa assim", escreveu Willis no Facebook em dezembro de 2024, pontificando: "Não tem nada de gay nisso."

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade