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Nos 140 anos de nascimento, Lima Barreto consolida reconhecimento da obra

Autor de 'O Triste Fim de Policarpo Quaresma', escritor carioca tinha a literatura como plano de vida

13 mai 2021 - 12h10
(atualizado em 14/5/2021 às 07h44)
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A passagem do tempo tem favorecido o árduo caminho de reconhecimento da obra do escritor Lima Barreto, que nasceu há exatos 140 anos, em 1881 (ele morreu em 1922). Apontado por alguns, enquanto ainda vivo, como provinciano e recalcado, o autor carioca desfrutou um certo reconhecimento no fim da vida, mas foi a organização de seus romances, na década de 1950, que ressaltou a importância de livros como Triste Fim de Policarpo Quaresma e Clara dos Anjos. O passo seguinte foi dado em 2000, quando as pesquisadoras cariocas Beatriz Resende e Rachel Valença iniciaram o inédito trabalho de recuperação de suas crônicas.

E o reconhecimento definitivo aconteceu em 2017 com o lançamento de Lima Barreto: Triste Visionário, esperada biografia escrita pela pesquisadora Lilia Moritz Schwarcz, que traça não apenas a trajetória artística do autor, mas também seus dissabores pessoais. Trata-se do mais completo mapeamento sobre o escritor desde o pioneiro trabalho de Francisco de Assis Barbosa que, em 1952, lançou A Vida de Lima Barreto, que resgatou a importância da escrita do autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma, injustamente esquecida desde sua morte, em 1922.

Ciente da importância da pesquisa de Barbosa (dedica-lhe até um capítulo), Lilia oferece um olhar original ao traçar a trajetória do biografado a partir da questão racial - a mãe era escrava e o pai um madeireiro português, de humilde situação financeira, Lima Barreto, a partir da adoção de um estilo seco e direto, lutava para que a literatura fosse um meio de levar ao homem comum a mensagem de sua libertação e um estímulo para continuar lutando para o reconhecimento de todos os seus direitos fundamentais.

As dificuldades marcaram a vida do escritor. Filho de família pobre, Barreto perdeu a mãe aos 7 anos e, quando estava com 22, acompanhou o enlouquecimento do pai. Abandonou em seguida o curso de engenharia para iniciar carreira na vida pública. Decidiu então assumir a literatura, apesar de escrever crônicas desde os 15 anos. Depois de colaborar para diversas publicações, começou como jornalista no Correio da Manhã e, em 1905, acompanhou a célebre demolição do Morro do Castelo, que depois transformou em folhetim.

A raiva era incontida nos textos de Barreto, que não admitia a segregação que lhe era imposta. Barbosa utiliza diversas passagens dos livros em que o escritor desabafava contra sua condição social. "No Recordações do Escrivão Isaías Caminha, conta-se a história de um rapaz inteligente, bom, honesto, ambicioso, possuindo todos os requisitos para vencer na vida, menos um: a cor", escreve. "No Morte e Vida de M.J. Gonzaga de Sá, vemos um homem de inteligência superior, completamente esquecido na sua banca de funcionário público, como se de nada lhe valesse a cultura."

Orgulhoso, Barreto não fazia concessões para ser aceito no seleto meio cultural carioca. Ao contrário: destilava seu desprezo em cada palavra escolhida. A impressão de Isaías Caminha, por exemplo, em 1909, só foi conseguida graças à boa vontade de um editor português, que desconhecia a crítica ferina que o escritor disparava contra colegas da imprensa. "Estrear com barulho, ser discutido, analisado, criticado, atacado, numa palavra ser notado, ser alguém!", percebe Barbosa. E as reações, como ele observa, vieram com a mesma violência. A publicação de Recordações do Escrivão Isaías Caminha, nitidamente inspirado na atuação dos colegas do Correio da Manhã, foi recebida com um silêncio hostil. Idêntica sorte teve Numa e a Ninfa (1915), romance calcado em figuras políticas. Por isso, só conseguiu editar Triste Fim de Policarpo Quaresma, no mesmo ano, à sua custa. Nessa época, tornaram-se rotineiras suas internações no hospício, onde tratou de problemas psíquicos provocados pelo alcoolismo.

Lima Barreto sofria, mas não se dobrava, pois seguia o que julgava ser o principal caminho da literatura, a sinceridade. Em um encontro com José Veríssimo, um dos principais críticos brasileiros do início do século passado, o escritor ficou impressionado com a eloquente dissertação sobre a verdade. "Sempre achei a condição para obra superior a mais cega e mais absoluta sinceridade", confessa o escritor. "Concordei porque me acredito sincero. Sê-lo-ei? Às vezes, penso ser; noutras vezes, não. Eu me amo muito; pelo amor em que me tenho, com certeza amarei os outros."

Lima Barreto tinha a literatura como projeto de vida. "Durante um certo tempo, tratou-se de Lima Barreto sob a perspectiva da vitimização", observou Lília em entrevista ao Estadão. "Ele era de fato uma vítima, mas tinha um projeto, e isso é muito importante de a gente destacar. Brinco que era o projeto do contra, ou seja, "vou me inserir sendo do contra". Ele era contra a Academia Brasileira de Letras, apesar de ter tentado entrar três vezes. Era contra o futebol, numa época em que o esporte já fazia muitas paixões. Era contra um certo feminismo, mas contra o assassinato de mulheres. Contra a literatura de brindes, de sobremesas e de toaletes, e a favor de uma literatura realista. Também foi anarquista num momento que era complicado ser anarquista."

O fato de ele ser negro e não ter recursos contribuiu para a dificuldade em não ser aceito, comenta a pesquisadora. "Contribuiu e ele também agenciou muito isso, a partir da ideia de que não é um figurante passivo - vai construir sua persona. Parte dessa construção é de um Lima Barreto que faz um Rio de Janeiro mais amplo, que inclui o centro e os subúrbios, onde ele vivia. Ele sempre morou em Todos os Santos. Então, a partir desse trajeto pelo trem da Central do Brasil, Lima descreve a pobreza com imensa dignidade, assim como observa a aristocracia do subúrbio com muito escárnio, concentrada sobretudo em Botafogo e Meier, bairros que desprezava solenemente. Lima foi uma pessoa pobre, mas de uma classe média de funcionários públicos do Rio de Janeiro. Ele era um amanuense paradoxal - o amanuense redige cartas e ele tinha uma letra péssima.

Lima morreu com 41 anos e não é possível acreditar que, se tivesse vivido mais, teria atingido uma maturidade literária. "Lima tinha muita pressa, muita urgência", continua Lilia. "História do futuro não existe. E historiador, em geral, é muito ruim em premonição. No pouco tempo de vida, tão difícil, ele produziu romances fundamentais, e ainda tinha muitos projetos no bolso. Um livro que anuncia e escreve poucos capítulos é Cemitério dos Vivos. Lima dizia que seria o seu livro fundamental, um livro na veia mesmo, porque tratava da sua experiência em 1914 e 1919, quando foi internado no hospício. O personagem é Vicente Mascarenhas. Aliás, todas as personagens de Lima são ele mesmo, porque ele vive assombrado por esses seres. O que me parece é que Cemitério dos Vivos era um projeto fundamental e esse personagem era um reflexo do Lima: bebia muito e também se internara. Seria um livro maravilhoso, que tratava dessa realidade que Lima descreve como ninguém. Ele diz no manicômio: todos são negros, em uma época em que se criava um projeto constitucional. Lima ironizava ao dizer no romance: vocês acreditam que a Constituição é para vocês? Não é. Vinha aí um romance fundamental."

Estadão
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