Obsessão por pênis em ‘A Fazenda’ reflete o falocentrismo
Interesse erótico dentro e fora da sede faz o órgão sexual dos participantes serem um ‘show à parte’ no reality da Record
A verdade nua e crua é que o homem ainda tem a sua virilidade associada ao tamanho do órgão sexual. Para a sociedade, o tamanho importa, sim. Há veneração pelo dote maior.
Prova disso é a recorrência com que a questão vira assunto entre os competidores de ‘A Fazenda’ e na imprensa que cobre o reality show da Record TV.
Algumas manchetes: “Fãs conferem tamanho peniano de Tiago”, “Valentina e Solange explicam como era o pênis de Tiago”, “Erasmo se descuida e deixa o pênis à mostra”, “Victor abaixa a sunga e mostra demais”.
Outras: “Rico pede para ver pênis de Gui Araújo”, “Após beijo gay, MC Gui promete bater pênis em Rico”, “Bil deixa toalha cair e mostra demais”, “Nego do Borel se espanta com parte íntima de Erasmo”.
Acha pouco? “Web elogia aumento peniano de Tiago”, “Volume de Tiago chama a atenção de telespectadores”, “Fisioterapia no pênis de Tiago causa punição”, “Tiago exercita ‘mandiocão’ todo dia”, “MC Gui surge de cueca branca e internautas elogiam”, “Olha as nudes: Dynho se descuida”.
A região genial dos peões de ‘A Fazenda’ está o tempo todo sob vigilância das câmeras da casa, dos próprios participantes, de jornalistas incumbidos de postar diariamente notas sobre o programa, das redes sociais e do telespectador-voyeur.
Dois confinados chamam mais atenção. O sertanejo Tiago Piquilo foi chamado ao programa graças à visibilidade midiática de uma cirurgia de aumento do membro (faloplastia), realizada em julho. Todos querem conferir o resultado prometido: de 2 a 5 centímetros a mais.
Outro foco está no modelo e influenciador fitness Erasmo Viana, um representante do endeusado ‘boy padrão’ (branco, hétero, másculo, financeiramente estável e preferencialmente bem dotado). Nudes vazadas antes de sua entrada em ‘A Fazenda’ atiçaram ainda mais a parcela do público interessada no perfil.
Nota-se torcida por um flagra explícito, ou seja, um pênis totalmente exposto. É como se a fase fálica da primeira infância, descrita pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud, nunca tivesse passado. A maioria de nós parece levá-la para o resto da vida.
Da parte dos homens, há a insegurança quanto ao tamanho, talvez o mais gritante aspecto da fragilidade do macho que se pretende alpha. A ‘manjada’ entre peões vista algumas vezes em ‘A Fazenda’ faz parte da tendência à inevitável comparação. ‘Qual é maior: o meu ou o seu?’
Em outros realities, como ‘Big Brother Brasil’ (Globo), ‘De Férias com o Ex’ (MTV) e ‘Soltos em Floripa’ (Amazon Prime Video), o tema sempre está presente em conversas, brincadeiras ou cenas de intimidade.
Trata-se de inegável falocentrismo, a convicção de que o homem tem alguma superioridade por conta de seu gênero. Apesar do combate ao machismo e patriarcado, ainda praticamos a supervalorização do falo no dia a dia, assim como ocorre no entretenimento.
Alguém lembra de papos e manchetes sobre a vagina em algum reality? Mais fácil recordar piadas depreciativas sobre o órgão feminino – e, consequentemente, o rebaixamento da mulher em si – em atrações supostamente de humor na TV, stand-ups e vídeos viralizados.
‘A Fazenda’ apenas confirma a fixação pelo pênis alheio e a superestimação do mesmo. Estamos no século 21, enviamos turistas ao espaço, porém, ainda temos entraves básicos ao lidar com nudez, sexualidade e a masculinidade idealizada. “Todos os seres humanos ocultam a verdade nos assuntos sexuais”, disse Freud.