O Nordeste da novela da Globo não é o Nordeste do Brasil

Nesta quarta-feira (21), André Luiz Frambach publicou um vídeo em que divulga o visual que compôs para entrar em "No Rancho Fundo", novela das seis da Globo. Para surpresa geral, mais uma vez a Globo insere um personagem cabeludo, de longas madeixas não-cortadas, na trama de Mário Teixeira.

Ambientada no interior do Nordeste, a história é toda contada em um único tom: o terroso. Parece que os personagens tomaram um banho de areia e querem ressaltar isso usando roupas na mesma paleta do cenário e dos filtros de imagem. A impressão é de quem não há colorido possível na vida daquelas figuras, que, com tanto suor e areia, parecem fugir do banho.

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Os homens, em sua grande maioria, insinuam pelos seus looks não serem próximos de um barbeiro, como se para ser rústico seus fios não pudessem ver uma tesoura ou não tivesse condições financeiras para tanto. Para completar, muitas das discussões são resolvidas puxando uma arma. 

Para além da romantização da brutalidade, precisamos deixar claro que o tempo do cangaço já passou. E o interior do Nordeste é bastante civilizado. Dizer isso parece óbvio, mas é uma maneira de ir contra um imaginário coletivo - e normalmente sudestino/sulista - reforçado por escolhas equivocadas para essa novela.

Cidades do Agreste e Sertão da região normalmente contam com homens de cabelo curto e bem cortados. Isso porque, em um ambiente com heranças patriarcais e machistas, cabelo grande é ainda é visto em certos meios como algo pouco másculo. Há, claro, exceções e a situação muda paulatinamente. Da mesma maneira, estar asseado é visto como grande virtude, especialmente num lugar em que a água é tão valorizada por ter de ser racionada em épocas. Arrisco a dizer que toma-se banhos mais caprichados e numerosos lá do que em qualquer capital. Soma-se ainda a questão da temperatura, muito mais difícil de ser enfrentada com cabelos longos. 

Nordestinos não são brutos, iletrados, sujos ou chucros. Não usam roupas paradas no tempo de décadas atrás. A Globo faz a região retroceder um século com a direção de arte de "No Rancho Fundo". Algo que, se para uns não é ofensivo, para muitos é, no mínimo, triste. O cabelo grande de Frambach se adequaria melhor a um surfista carioca de novela das sete - outro estereótipo. Está faltando descobrir como é o país de verdade fora do eixo Rio-São Paulo.