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Peça lança olhar sobre um Oriente Médio de paz

Em 'Fóssil', cineasta busca empresa petrolífera para financiar filme sobre revolução das mulheres curdas

10 jan 2020 - 07h10
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Desde os últimos conflitos entre EUA e Irã, os curdos, povo étnico no Oriente Médio, têm pedido para ficar de fora dos alvos da disputa na região. Parte desse sentimento vem guiado pela chamada revolução de Rojava, objeto de pesquisa de uma cineasta no espetáculo Fóssil, que estreou nesta quinta, 9, no Sesc Pompeia.

"Esse laboratório de liberdade" no nordeste da Síria, e com metade do tamanho da Bélgica, é considerado uma alternativa política de paz, liderada por mulheres, conta a atriz Natalia Gonsales, que interpreta a cineasta. "Elas criaram um modo de autogoverno, o Confederalismo Democrático, que promove a igualdade entre as pessoas, onde homens e mulheres tomam decisões coletivas."

Ao longo de pesquisas e encontros com especialistas, a dramaturga Marina Corazza concebeu uma trama que acerta ao não fazer a famigerada escolha de colocar Natalia para representar uma personagem curda. Antes, amplia o olhar sobre uma geografia confusa - espremida entre a Turquia, Iraque, Irã e Síria - e pouco conhecida da plateia brasileira. "Sabemos que seria muito difícil querer explicar a história desse povo, que passa tão distante dos brasileiros", diz a atriz. Para a diretora Sandra Corveloni, a peça se abre como uma lente para quem desejar olhar. "Não importa tanto avaliar o legado da revolução criada pelas mulheres em Rojava, mas não deixa de ser interessante que se possa apreciar pontos de vista."

E um deles é sobre o feminismo ocidental, conta Natalia. "As curdas dizem que as mulheres ocidentais praticam algo mais de uso pessoal, como um produto, e que falta luta social, uma consciência coletiva."

Diante de um panorama tão povoado de ideias afetadas por uma distância histórica e cultural, a trama de Fóssil surge de modo bem simples: uma cineasta deseja produzir um documentário sobre a célula libertária da capital Rojava e busca patrocínio junto ao diretor de uma empresa petrolífera - joia rara da região capaz de tirar o sono de qualquer potência ocidental.

No papel do empresário, Nelson Baskerville integra o espetáculo "desejando saber o menos possível" para que consiga conceber seu personagem, diz. "Ele representa esse desinteresse sustentado pelo poder do dinheiro. Do tipo que não se importa com a diferença entre etnias, dialetos ou quantas palavras têm num livro", diz o ator.

E o capital chama. Durante o ensaio, visto pela reportagem, enquanto o diretor da empresa e a cineasta conversam no escritório da corporação, o telefone não para de tocar. Ao atender, o homem debate com o governador da região sobre "quem vai perder mais." Trata-se de uma reunião decisiva. O público deve aguardar que o diretor da empresa assine - ou não - o contrato para o repasse de recursos que vão concretizar o documentário.

Para a diretora da peça, Fóssil ganha força com imagens e sons envolventes, na luz de Aline Santini e na trilha sonora de Marcelo Pellegrini. "Reproduzimos transições de cena criadas para as telonas, como o Fade in e Fade out, além da música que dá a sensação de se estar num cinema", conta.

Ao alternar uma negociação repleta de desconforto de um artista com seu projeto e os donos do dinheiro, a peça oferece espaços poéticos tendo como cenário o deserto esvaziado da região e a exuberância do céu estrelado. "A cineasta precisa convencer o diretor da empresa que seu projeto merece apoio, então ela vai resgatar a cultura desse povo, suas lendas e essa rara resistência em nome da liberdade", conta a atriz.

SERVIÇO

FÓSSIL. SESC POMPEIA. RUA CLÉLIA, 93. TEL.: 3871-7700. 5ª, 6ª E SÁB., 21H30; DOM., 18H30. INGRESSOS: R$ 15 / R$ 30.

ATÉ 2/2.

Estadão
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