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'Precisamos de estímulo à leitura, não do livro mais caro', diz Marcos da Veiga Pereira

Um dos fundadores da Sextante e presidente do Sindicato Nacional de Editores dos Livros fala sobre a crise e o futuro do negócio do livro

2 jul 2021 - 05h10
(atualizado às 10h42)
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A notícia de hoje é boa: as vendas de e-book e audiolivro dispararam no Brasil em 2020. A de 15 dias atrás, péssima: em 15 anos, o mercado editorial encolheu 30%. E assim, entre altos e baixos, com duas importantes redes de livrarias em recuperação judicial e devendo milhões às editoras, num país de baixos índices de leitura e lutando contra a taxação do livro, um dos itens da reforma tributária, e sem interlocução com o governo desde o início da gestão Bolsonaro, o mercado editorial busca seu equilíbrio e sobrevivência.

Aos 57 e em seu 7º e último ano como presidente do Sindicato Nacional de Editores dos Livros, Marcos da Veiga Pereira, um dos fundadores da Sextante, conversou com o Estadão sobre a crise e o futuro do negócio do livro.

O mercado editorial encolheu 30% em 15 anos. O que houve?

De 2006 a 2011, houve um crescimento bastante robusto e dois movimentos: o aumento da venda do livro e a diminuição do preço. Tínhamos a Avon, e livrarias como a Cultura e a Saraiva estavam investindo. Com a desoneração, as editoras apostaram na ideia da diminuição do preço. O Brasil estava bombando. Havia uma euforia enorme, que não se sustentou porque não investimos no hábito da leitura nem na educação. Em 2011, chegamos a 280 milhões de livros vendidos para o mercado e ficamos nesse patamar até 2014. Com a recessão a partir de 2015, vamos ladeira abaixo. O número de exemplares vendidos ao mercado em 2016 é igual ao de 2020.

Mas essa não é apenas uma crise macroeconômica. O que poderia ter sido feito diferente, que erros poderiam ter sido evitados?

É difícil separar. O desemprego em 2015 e 2016 foi muito forte e isso leva a uma diminuição de consumo. Temos que considerar também como as pessoas ocupam seu tempo. A pesquisa Retratos da Leitura mostra que o brasileiro não lê mais por falta de tempo. Mas ele tem tempo de ver WhatsApp, ficar no Instagram, maratonar séries. É uma questão de escolha, e não de tempo. O que poderíamos ter feito diferente? Demoramos para perceber que tinha um limite na diminuição do preço do livro, que as margens estavam ficando muito comprimidas, principalmente no varejo. O varejo também demorou para perceber isso e que o processo de expansão não ia dar certo. Pensavam que o negócio era faturar, quando era preciso ter lojas rentáveis. No caso de Saraiva e Cultura, o grande erro foi não enxergar cada livraria como um pequeno negócio que tem de dar lucro. E investimos pouco na promoção do livro.

Há cinco anos, o cenário era outro, com Cultura e Saraiva desempenhando um importante papel na cadeia. Como imagina esse cenário das livrarias em 2025? O que deve acontecer com as duas?

Imagino que as duas continuam vivas e sendo marcas importantes, com uma quantidade de lojas muito menor, mas ainda relevantes. Elas têm uma dívida impagável. A questão é saber se essa dívida será perdoada e se elas vão tentar se reinventar como redes menores ou conseguir vender os ativos. Certamente o novo modelo de livraria é diferente daquele modelão megastore. Agora são lojas de 500 m² a 1.200 m², com mais curadoria e serviço, um bom acervo de lançamentos e eventos. Na pandemia, o varejo online avançou 5 anos e capturou uma importante participação de mercado. Pensando agora em 2025, olhando a expansão da Leitura e da Vila, por exemplo, vejo o varejo de livros se reorganizando para voltar a ocupar o que espero que seja metade da participação das vendas.

Como está o ranking hoje das livrarias? Quem são ou serão os novos grandes players?

Amazon é a líder de mercado. Falando pela Sextante, depois aparecem Leitura, Curitiba, Submarino e Magalu. Neste momento, para a editora, as vendas online estão representando 60%. O Submarino foi uma força muito grande no início da década passada e com a pandemia voltou a ser importante. Magazine Luiza entrou no jogo. E o Mercado Livre é um novo player interessante, atuando como um hub de livrarias, que não precisam mais investir em seu próprio e-commerce se não quiserem. Mas tem que ter curadoria, profissionais que conheçam os livros e os leitores e inteligência para administrar isso.

Quais são os desafios hoje?

A curtíssimo prazo, a reforma tributária. Achamos que o projeto da CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços) estava sepultado, mas não está. Ele pode ter um impacto avassalador. A indústria hoje é imune de impostos e isenta de tributos. Tributando, tira-se a margem de editores, livreiros e distribuidores, que vão buscar isso aumentando o preço. Um preço maior vai ter impacto no consumo. Não sei o que vai acontecer. De Brasília, podemos esperar muita coisa. Temos também o desafio da reconstrução. Foi muito encorajador ver o comportamento do leitor durante a pandemia, e a preocupação é como manter o interesse nos livros quando as pessoas começarem a circular mais e voltarem a seus hábitos anteriores. Outro desafio é a reconstrução do varejo, que está caminhando a passos mais largos do que a gente esperava. E temos o desafio permanente da educação, do investimento na formação de leitores nas escolas, investir no professor para que o momento da descoberta do livro seja especial.

O mercado ainda sonha com a lei do preço fixo do livro?

Essa é uma das minhas frustrações. O projeto bateu na trave. Chegou na Casa Civil no final do mandato de Michel Temer e não foi para a frente. Tive um encontro com o primeiro secretário de Cultura do governo e logo ele saiu. E, desde então, não tive mais nenhuma interlocução com a Secretaria da Cultura ou Ministério da Educação. Não sei se vamos ter capacidade para retomar essa questão. Talvez tenhamos que esperar o próximo governo.

Os novos números do livro digital são bons, mas, em dezembro, completam-se 9 anos da chegada dos grandes players. Por que isso não deslanchou no Brasil?

Foram nove anos difíceis, em que andamos para trás em vários índices. Quando lançamos o e-book no Brasil, achávamos que haveria uma base de equipamentos suficiente. A oferta de títulos era pequena. Depois, achamos que as pessoas leriam mais no iPad. Isso tudo fez com que a curva de adesão fosse muito mais lenta do que imaginávamos. Mas, a cada ano, ampliamos o acervo. Com as promoções na pandemia, os números foram muito bons e a participação subiu de 4% para 6%. Ainda está engatinhando, mas para editoras como a Sextante, do segmento de obras gerais, esse número é bem mais relevante e está chegando a algo entre 8% e 10%. E o audiolivro é um formato que pode ter um ganho relevante no Brasil nos próximos cinco anos.

Há quem diga que o livro é caro e que só rico lê no Brasil, como está no recente relatório da Receita Federal.

Uma questão importante é a ideia de preço e valor. As pessoas atribuem muito pouco valor ao livro, e isso é muito ruim para a sociedade. O livro brasileiro ficou muito mais acessível ao longo do tempo. Livros que deveriam custar R$ 100 custam R$ 60, por exemplo. Mas taxar o livro é ir contra o princípio constitucional. O livro é imune, porque ele é importante para a sociedade. A diversidade de ideias é importante, e daí vem a imunidade tributária. Não acredito no argumento de que vão investir o dinheiro da taxação em políticas públicas de formação de leitores. Isso não vai acontecer. Taxando o livro, interrompemos um processo de recuperação, o preço vai aumentar e um universo de livrarias não vai sobreviver. Isso, a curto prazo. Com menos livrarias, editoras passam a apostar menos e a concentração do varejo online será ainda maior. E concentração nunca é bom. Precisamos de estímulos à leitura, de uma Secretaria da Cultura que invista em eventos literários e bibliotecas, de um Ministério da Educação que também invista em biblioteca, em acervo e em professores. Precisamos de uma política pública efetiva em favor do livro e da leitura.

Estadão
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