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Retrospectiva de Pedro Figari recupera o Uruguai africano no Masp

Pintor uruguaio dedicou sua vida a retratar os dramas e as alegrias da população negra de seu país

12 dez 2018 - 03h11
(atualizado às 09h17)
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Único artista branco a ganhar uma exposição no Museu de Arte de São Paulo (Masp) este ano, o pintor uruguaio Pedro Figari (1861-1938) dedicou sua vida a retratar os dramas e as alegrias da população negra de seu país. Mais os momentos alegres que os tristes, é verdade, embora a crônica visual de Figari sobre os afrodescendentes não esqueça a dor que a escravidão deixou como legado. Ao contrário dos modernistas brasileiros, Figari não pintou negros trabalhando, como Portinari, ou em poses sensuais, como Di Cavalcanti, observa Mariana Leme, curadora da mostra que contou também com a seleção do diretor do Museu Figari, Pablo Thiago Rocca.

"No quinto e no sexto conjuntos das obras da exposição, por exemplo, os temas da morte e da escravidão mostram que Figari seguiu o caminho oposto dos modernistas brasileiros, embora tratando também dos problemas sociais advindos da discriminação dos negros", diz a curadora. Vale lembrar que a escravidão foi abolida no Uruguai em 1842, 46 anos antes da Abolição no Brasil. A representação da vida dos escravos, claro, é evocativa no caso de Figari, um advogado de vocação libertária, defensor dos direitos humanos, que lutou contra a segregação e passou a se dedicar integralmente à pintura já maduro, na casa dos 60. É certo que já pintava antes de trocar Montevidéu por Paris, em 1925, mas eram apenas exercícios de natureza acadêmica.

A mostra do artista, que reúne 63 pinturas de pequenas dimensões no Masp, chama-se apropriadamente Nostalgias Africanas, título de uma das obras da exposição, que encerra o ciclo de histórias afro-atlânticas e formou o eixo temático da programação do museu em 2018. Já no primeiro conjunto de pinturas é possível identificar em Figari um compromisso com a cultura negra. São trabalhos que elegem como tema a dança característica das populações afro-uruguaias, o "candombe", manifestação coletiva sempre acompanhada de tambores que foi vítima de perseguição policial.

O segundo conjunto é dedicado ao sincretismo religioso. São cenas de carnaval em pleno Dia de Reis, que cruzam a festa católica e o paganismo. No terceiro conjunto estão cenas interiores passadas nos "conventillos", habitações coletivas exploradas por especuladores na passagem do século 19 para o 20. No quarto, Figari registra cenas de casamento e, no quinto, funerais. "É possível notar a segregação dos negros até na hora da morte numa pintura que mostra um ritual fúnebre diferente do enterro dos brancos - a comitiva passa ao largo do Cemitério Central de Montevidéu onde seria enterrado o próprio autor da pintura, uma vez que o enterro dos negros ocorria ao ar livre e com música", diz a curadora.

A preocupação social de Figari com o estado dos negros forçados a migrar e escravizados no Uruguai está estreitamente ligada ao exercício da advocacia. Como representante de uma organização que defendia os pobres no Uruguai, Figari se envolveu com a política e o jornalismo, formando-se como advogado em 1886, mesmo ano em que começou a estudar pintura com o professor acadêmico italiano Godofredo Sommavilla (1850-1944), conhecido por telas de cenas familiares.

É certo que Sommavilla teve alguma influência sobre o aluno - especialmente nas cenas interiores das festas de casamento dos afrodescendentes -, mas o apelo dos impressionistas foi maior. Manet e Degas surgem como modelos do período francês de Figari, como se pode notar na mostra do Masp, mas é possível citar outras referências do pintor - e Bonnard costuma ser lembrado como uma delas, embora o uruguaio tenha pouco a ver com o grupo pós-impressionista dos Nabis, a não ser que se considere o simbolismo em sua pintura devedor da simplificação da forma e das cores vivas da turma de Paul Sérusier. Certamente Figari conheceu a pintura dos Nabis quando partiu para Paris em companhia do filho, o arquiteto Juan Carlos Figari, com que escreveu o livro Educación Integral (1918).

Nunca mencionado quando se fala de Figari, o belga Ensor merece ser evocado quando se considera o anonimato dos personagens negros criados pelo uruguaio, especialmente pela pincelada expressionista dos dois, em que a figura é apenas esboçada - e os animais que habitam suas telas, dos cães vadios aos gatos pretos, são provas desse traço rápido e econômico. O aspecto alegórico dos esqueletos de Ensor encontra correspondência nas figuras negras de Figari, cujos rostos apagados garantem simetria com a fantasmagoria do belga - e não é sem razão que Ensor tenha sido uma grande referência para pintores com o Nolde, Grosz e Paul Klee.

E, por falar em Klee, com exceção de duas telas, todas as outras pinturas expostas na mostra de Figari são de pequenas dimensões e de um cromatismo que remete (deliberadamente ou não) à passagem de Klee pela Tunísia, em 1914, brincando com a simetria da superfície da tela e a luz que incide sobre a paisagem e a figura humana. As pinceladas rápidas sobre pequenos cartões porosos, como os da mostra do Masp, sugerem uma atmosfera onírica, a exemplo de Klee. No caso de Figari, também nostalgia. O uruguaio recria o mundo dos afrodescendentes uruguaios como se estivesse inventando um narrativa ficcional, embora fiel aos eventos históricos, o que torna sua pintura ainda mais atraente. Não é sem razão que ela atravessou a fronteira e conquistou colecionadores brasileiros. São deles alguns dos melhores trabalhos expostos no Masp.

PEDRO FIGARI

Masp. Av. Paulista, 1.578, tel. 3149-5959. 4ª a dom., 10h/18h;

3ª, 10h/20h. R$ 35 e R$ 17.

Abre 6ª (14/12). Até 10/2/19

Estadão
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