Spotify tira 70 episódios do podcast de Joe Rogan do ar
Além do uso de palavra racista, humorista tem sido alvo de críticas por disseminar desinformação em relação à covid-19
Cerca de 70 episódios do podcast de Joe Rogan foram removidos do Spotify enquanto músicos protestam contra o serviço de streaming por permitir ao controverso humorista disseminar desinformações acerca do coronavírus e também pelo uso de ofensas raciais. Não ficou imediatamente claro o porquê de os episódios do The Joe Rogan Experience terem sido removidos e o Spotify não respondeu a um pedido por comentário.
Ao menos um convidado que apareceu em um dos episódios tirados do ar disse que acredita que Rogan usou a "palavra com N" durante sua aparição - e todos os episódios removidos parecem ser de uma data pré-pandemia. Um episódio que profissionais médicos criticaram há algumas semanas por espalhar desinformação sobre vacinas continua disponível no Spotify neste domingo, 6.
O episódio conta com uma entrevista com Robert Malone, médico e cético em relação às vacinas contra a covid-19. O site JREMissing, que monitora episódios faltantes do The Joe Rogan Experience e registra o momento em que foram removidos do Spotify, notou que 70 episódios do podcast sumiram da plataforma de streaming em 4 de fevereiro de 2022. O Washington Post confirmou o número, ainda que haja um episódio que tenha sido dividido em duas partes. Alguns dos episódios removidos contam com a presença de indivíduos conhecidos, como os comediantes Amy Schumer e Joey Diaz, e figuras proeminentes da extrema direita, incluindo o provocador Milo Yiannopoulos e o fundador do InfoWars Alex Jones.
No sábado, Rogan publicou um vídeo no Instagram para pedir desculpas pelo uso da "palavra com N" em deu podcast no passado, chamando-a de "a coisa mais vergonhosa e da qual mais me arrependi que já tive que falar publicamente". A desculpa veio após a cantora India.Arie, que recentemente disse que iria remover seu catálogo do Spotify em resposta à "linguagem sobre raça" de Rogan, ter compartilhado um vídeo em rede social mostrando vários momentos ao longo de 12 anos em que Rogan disse a "palavra com N" em seu programa. Enquanto Rogan argumenta que os vídeos foram tirados de contexto, ele reconhece que o vídeo parece "horrível, até mesmo para mim".
A controvérsia sobre o podcast de Rogan cresceu após artistas, incluindo Neil Young e Joni Mitchell, terem anunciado a retirada de suas músicas do Spotify recentemente para protestar contra o que eles viam como uma falta de moderação de conteúdo por parte da plataforma, particularmente acerca do da desinformação sobre o coronavírus presente em alguns episódios do The Joe Rogan Experience, que o Spotify adquiriu em 2020 em um acordo que teria atingido a marca de US$ 100 milhões, como parte da aposta em se tornar uma gigante do podcast.
Em janeiro, 270 especialistas se endereçaram ao Spotify em uma carta aberta para "estabelecer imediatamente uma clara e pública política para moderar desinformação em sua plataforma". Eles destacaram um episódio do podcast de Rogan em que ele conversa com Malone como um exemplo da "preocupante história de transmissão de desinformação, particularmente a respeito" da pandemia do podcast.
O Twitter suspendeu Malone e o YouTube removeu cortes daquele episódio, #1757, por violar as regras de sua comunidade. Enquanto na última semana a polêmica e os protestos de artistas forçaram o Spotify a publicar suas diretrizes sobre moderação de conteúdo e se comprometer a disponibilizar um aviso de conteúdo em quaisquer podcasts em que o coronavírus seja discutido, o episódio completo com Malone - disponibilizado desde 31 de dezembro de 2021 - continua disponível no Spotify.
Nele, Malone compara as políticas ligadas à pandemia nos Estados Unidos àquelas usadas pelos nazistas na Alemanha e acusa aos que acreditam em agências de notícias e em Anthony Fauci, o principal especialista em doenças infecciosas do país, de "serem basicamente hipnotizados", com base em uma teoria infundada chamada "psicose de formação de massa".
Entre os episódios removidos está uma participação de Gad Saad em 2018, professor de marketing que estuda ciência comportamental na Universidade de Concordia, em Montréal. No Twitter, Saad disse que "se a memória não me falha", Rogan usou a "palavra com N" naquele episódio, "mas não de uma forma racista, apesar do provável campo minado". Saad disse que não se lembra da conversa inteira, mas que lembra de ter contado a Rogan sobre um reitor universitário demitido após recomendar um livro com a "palavra com N" no título - um, disse Saad, que teria sido escrito por um ativista dos direitos civis negros. "Se você está usando a 'palavra com N' para descrever um título, conforme dito por você por um convidado de seu programa, então talvez o Spotify tenha que ter o mínimo de capacidade cerebral e dizer: 'Isso não parece violar nada'", disse Saad em um vídeo.
Na legenda acompanhando seu vídeo de desculpas publicado no sábado, Rogan escreveu que há "muita m*** dos antigos episódios do podcast que eu gostaria de não ter dito, ou ter dito de forma diferente".
Rogan disse que não tem usado a "palavra com N" "há anos" e acrescentou: "Eu sei que para a maioria das pessoas não há contexto em que uma pessoa branca possa sequer ser autorizada a dizer aquela palavra, não importa se publicamente ou em um podcast, e eu concordo com isso agora". Dwayne 'The Rock' Johnson, que em um primeiro momento defendeu o podcast das acusação de ter espalhado desinformação quanto à saúde pública, voltou atrás em sua defesa após o vídeo de Rogan dizendo a "palavra com N" ter vindo à tona. O ator disse no sábado que "não estava ciente" do uso da ofensa racial por Rogan no passado.
Em suas desculpas, Rogan disse que nunca usou a "palavra com N" "para ser racista, porque eu não sou racista". Arie, em uma série de stories no Instagram em que postou a compilação, disse que Rogan "não deveria estar proferindo ap alavra". Ela disse: "Não a diga, sob nenhum contexto". O incidente colocou pressão no Spotify para esclarecer como a empresa balancearia a promoção da liberdade de expressão de seus criadores de conteúdo contra o impacto que alguns deles podem ter sobre a saúde pública durante a pandemia.
Daniel Ek, o fundador e CEO do Spotify, disse em um comunicado no último domingo, 30, que "é importante para mim que nós não tomemos a posição de nos tornarmos censores de conteúdo, ao mesmo tempo que garantamos que haja regras em vigor e consequências para quem violá-las".
Rogan também disse durante a polêmica que ele faria uma pesquisa melhor em relação ao coronavírus, reconhecendo: "Eu nem sempre entendo corretamente". De acordo com o JREMissing, 43 outros episódios do The Joe Rogan Experience haviam sido removidos do Spotify anteriormente.
* Timothy Bella, do The Washington Post, contribuiu para esta reportagem.