A guerra da Globo contra Collor: escolhido de Roberto Marinho agora é ‘inimigo’
Emissora tenta se desvincular do político que ajudou a eleger presidente em 1989
A história e o tempo sempre nos surpreendem. Décadas atrás, quem imaginaria que a TV Globo e Fernando Collor de Mello travariam uma batalha na Justiça que pode romper uma parceria iniciada em 1975.
Naquele ano, a TV Gazeta de Alagoas, fundada pelo jornalista e político Arnon de Mello, pai de Collor, se tornou afiliada da rede carioca criada por Roberto Marinho dez anos antes.
No ano passado, a cúpula da Globo decidiu não renovar o contrato com o canal de Maceió. A decisão seria consequência da condenação de Collor no STF a oito anos e dez meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A defesa do ex-senador alegou inocência.
Em novembro, a TV Gazeta entrou com ação judicial solicitando a renovação obrigatória do vínculo com a rede do clã Marinho. Argumentou que poderia ir à falência e demitir centenas de funcionários se deixasse de transmitir a programação da Globo.
O Ministério Público de Alagoas emitiu parecer favorável e a justiça decidiu em benefício da empresa de comunicação de Collor, estendendo o contrato finalizado em 31 de dezembro.
Contrariada, a Globo contra-atacou. Conseguiu no Tribunal de Justiça de Alagoas uma liminar que cassou a determinação de renovar o acordo de afiliação. A decisão ainda será analisada por um colegiado de desembargadores. Essa ‘novela’ pode durar meses e chegar ao STF.
A relação da Globo com Fernando Collor de Mello se intensificou na eleição presidencial de 1989, quando o então ‘caçador de marajás’ derrotou Lula no segundo turno por 53% a 46%.
O candidato da direita teve o apoio de Roberto Marinho. Em entrevistas, o ex-todo-poderoso da emissora número 1 no Ibope, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, fez revelações a respeito.
“O Collor foi preparado para o último debate na TV Bandeirantes com o Lula e eu fui o responsável pela preparação dele. O Dr. Roberto Marinho me pediu para ajudar nesse sentido, pois ele acreditava no Collor, não por ideologia, mas como todos nós acreditávamos, tínhamos esperança nele naquela época”, disse o executivo no ‘Morning Show’, da Jovem Pan, em março de 2016. O ex-presidente afirmou que essa versão de Boni é mentirosa.
O pior aconteceu na edição sobre o último debate. Roberto Marinho enxergou vantagem a Lula na matéria exibida no ‘Jornal Hoje’ e exigiu a revisão do conteúdo. A reportagem levada ao ar horas depois, no ‘Jornal Nacional’, mostrava Collor como vencedor do embate decisivo, pouco antes de os brasileiros irem às urnas. Foi um “7 a 1” contra o petista, segundo Boni.
“A Globo foi acusada de ter favorecido o candidato do PRN tanto na seleção dos momentos como no tempo dado a cada candidato, já que Fernando Collor teve um minuto e meio a mais do que o adversário”, registra o projeto ‘Memória Globo’. O texto da própria emissora diz ainda que “o episódio provocou um inequívoco dano à imagem da Globo”.
Em dezembro de 1992, sufocado por denúncias de irregularidades, Collor renunciou à Presidência para evitar o impeachment e escapar da inelegibilidade. Lula conquistou o primeiro mandato somente na eleição de 2002 ao derrotar José Serra (PSDB).
Frequentador dos círculos de poder desde a ditadura militar, Roberto Marinho, falecido em 2003, sempre gostou de manter contato com políticos. Por isso, o empenho em ajudar o filho de seu amigo e ‘sócio’ Arnon de Mello a chegar ao Palácio do Planalto.
Seus filhos e netos à frente do Grupo Globo mantêm distância protocolar dos bastidores de Brasília. O maior e mais influente grupo de comunicação do país se relaciona com as altas esferas de poder por meio de sua diretoria de Relações Institucionais.
Apesar do mea-culpa sobre o erro em 1989 e de alegada isenção, o jornalismo da Globo ainda é alvo da desconfiança de numerosas figuras públicas e parte dos telespectadores.