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Mulher cria campanha após pedofilia com MasterChef Júnior

Após polêmica com MasterChef, criadora de #PrimeiroAssédio diz que 'casos não são mais enterrados'

22 out 2015 - 19h56
(atualizado em 28/10/2015 às 19h17)
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Programa MasterChef Júnior começou na última terça-feira em sua primeira edição no Brasil
Programa MasterChef Júnior começou na última terça-feira em sua primeira edição no Brasil
Foto: Divulgação/BBC Brasil

Valentina entrou no programa MasterChef Júnior, da emissora Band, sonhando em se tornar a melhor cozinheira mirim do Brasil. E, logo na sua primeira aparição, ela se viu alvo de inúmeros comentários na internet. A maioria deles, porém, não era sobre suas habilidades culinárias – e tinham cunho sexual.

"Sobre essa Valentina: se tiver consenso, é pedofilia?", era o que dizia um dos tuítes a respeito da garota de 12 anos.

O caso gerou uma grande polêmica nas redes sociais na última quarta-feira e, enquanto a discussão pairava sobre o suposto "desenvolvimento precoce" da garota, uma mulher se inspirou na história de Valentina – e na sua própria – para criar uma campanha e estimular outras mulheres a contarem suas primeiras experiências de assédio sexual.

Juliana De Faria, fundadora do coletivo feminista Think Olga e da campanha Chega de Fiu Fiu, lançou a hashtag #PrimeiroAssédio no Twitter e, em pouco tempo, milhares de mulheres compartilharam suas histórias pela rede social.

Segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), nas primeiras duas horas, foram mais de 2,5 mil tuítes com a hashtag, que figurou entre os termos mais comentados do Twitter brasileiro durante todo o dia.

Casos impressionaram até mesmo as criadoras da campanha
Casos impressionaram até mesmo as criadoras da campanha
Foto: Divulgação/BBC Brasil

"A gente enterrava esses casos como se fosse culpa nossa. Agora, graças à internet, a gente está se unindo", disse Juliana à BBC Brasil. "Eu contei pela primeira vez sobre o assédio que sofri aos 11 anos quando eu tinha 27. Muitas mulheres estão contando seus casos com a hashtag e dizendo que é a primeira vez que estão falando sobre o assunto. A força disso não tem mais volta."

"Sempre existiu o debate sobre o assédio. Mas a internet juntou as vítimas. Antes, você não falava sobre isso e aí o assunto morria. É importante que a gente enxergue que somos vítimas e, muitas vezes, não vamos enxergar sozinhas", completou.

De cabeça, Juliana conta pelo menos três casos durante a infância e a adolescência em que sofreu assédio sexual. Aos 11, quando ouviu comentários sexuais na rua, aos 13, quando um homem a prensou em uma estação do metrô de São Paulo e disse que iria "comê-la", aos 14 quando foi perseguida em uma festa por não querer beijar um homem mais velho. E ela ressalta que está longe de ser a única a ter histórias como essa para contar.

"O que a gente vem discutindo com a #PrimeiroAssédio é que quando a gente fala de pedofilia, as pessoas entendem como uma coisa distante, pesada. Não! As sementes dessa barbárie também estão em ações que parecem pequenas e insignificantes, como um tuíte", disse, citando o caso de Valentina.

#PrimeiroAssedio esteve entre os termos mais comentados do Twitter brasileiro durante toda a tarde
#PrimeiroAssedio esteve entre os termos mais comentados do Twitter brasileiro durante toda a tarde
Foto: Divulgação/BBC Brasil

Erotização infantil

Com a hashtag #PrimeiroAssédio, milhares de mulheres contaram casos chocantes que viveram aos sete, seis ou mesmo cinco anos de idade.

Uma delas disse que, aos sete anos, enquanto brincava com as amigas, percebeu um homem atrás de um poste se masturbando. Outra conta que, aos nove, sofreu uma tentativa de estupro de um dos funcionários que trabalhavam para o pai.

Dados oficiais e recentes do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que, das 500 mil mulheres que são vítimas de estupro por ano no Brasil, 70% são crianças e adolescentes – sendo 51% menores de 13 anos.

Para Viviana Santiago, especialista de gênero da ONG de direitos infantis Plan International Brasil, o episódio com Valentina expõe o problema da "erotização" da criança, que acontece cada vez mais cedo.

"A gente erotiza esse corpo infantil, vemos isso na forma como a sociedade projeta a menina como objeto sexual pra ser desejado e consumido", disse à BBC Brasil.

Coletivo Think Olga lançou a campanha #PrimeiroAssedio no Twitter; hashtag figurou nos trending topics do Brasil
Coletivo Think Olga lançou a campanha #PrimeiroAssedio no Twitter; hashtag figurou nos trending topics do Brasil
Foto: Divulgação/BBC Brasil

"Fui a uma loja de departamentos outro dia e vi que ali eles estavam vendendo sutiãs com bojo para meninas de 6 a 8 anos. Para que uma menina dessa idade vai usar um sutiã com bojo? Para parecer que tem seios, que é adulta. Isso faz parte dessa erotização e da desconstrução da infância, que fazem as pessoas esquecerem que uma criança é uma criança."

Juliana De Faria aponta que o principal problema disso é que o homem se sente "protegido" pela "cultura do estupro" que erotiza o corpo da menina desde cedo e, assim, se sente "à vontade" para cometer o assédio – por isso, os casos são muito mais comuns com crianças e adolescentes.

"A mensagem mais forte é que existe uma normatização da violência sexual contra mulher e da pedofilia", diz.

"Se a gente normatiza isso, é inevitável que os homens apareçam sem a menor vergonha ou preocupação para falar sobre seus desejos. Existe esse desequilíbrio de gênero tão grande, que eles se sentem protegidos e não têm vergonha."

"As meninas estão contando com a hashtag que o tio-avô ou o marido da tia passou a mão. Mas quem vai acreditar numa menina de 12 anos?"

Foram mais de 2,5 mil tuítes de mulheres compartilhando suas histórias e pessoas comentando a hashtag
Foram mais de 2,5 mil tuítes de mulheres compartilhando suas histórias e pessoas comentando a hashtag
Foto: Divulgação/BBC Brasil

Consequências

Apesar de terem surgido alguns comentários contrários e críticos à hashtag #PrimeiroAssédio - uma delas, por exemplo, era de um homem dizendo que "criaria a hashtag #meuprimeirofora para os homens que foram rejeitados/oprimidos" -, Juliana se diz "emocionada de ver tantas mulheres falando sobre suas histórias".

"É uma situação que me faz ter a certeza de que não vamos mais voltar para escuridão."

Viviana Santiago também destaca a importância da internet para manter vivas essas discussões.

"As redes sociais conseguem nos juntar. Todas as inconformadas têm capacidade muito maior de reação agora. Todo mundo no país inteiro já sabe o que aconteceu. O poder de mobilização é incrível e fortalece o enfrentamento."

As duas, porém, defendem mudanças na educação - incluindo a cultura de gênero nas escolas - para reduzir casos de abusos e estupros com meninas e mulheres.

"Não começamos a ser violentadas na vida adulta. Por isso precisamos ensinar cultura de gênero desde cedo. A sociedade precisa repensar a maneira como educa meninos e meninas porque a, partir daí, construiremos esses 'novos homens'."

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