Beijo fora do roteiro foi um ato de Milton em novela contra o racismo
Parceira de cena teve gesto nobre ao saber que o ator era cobrado por seu personagem nunca ter beijado a esposa branca
‘Baila Comigo’ foi uma novela das 8 exibida na Globo em 1981, escrita por Manoel Carlos. O agora saudoso Milton Gonçalves, falecido aos 88 anos, interpretava Otto, que se casava com uma viúva com dois filhos, Letícia, papel de Beatriz Lyra, hoje com 92 anos e afastada dos estúdios.
Na época, não era comum ver um casal interracial nas tramas. Menos ainda que tivessem alguma intimidade em cena. Precursor entre os negros na TV, o ator ouvia comentários que o deixavam incomodado.
“Tanto os negros quanto os brancos me diziam: ‘Você é casado com uma branca na novela, mas ela não te beija na boca. De que adianta?’”, relatou ao jornal ‘Extra’, anos atrás.
Ao saber de tal cobrança, Beatriz Lyra decidiu agir sem contar nada a ninguém. “Numa cena, Beatriz me puxou e me deu um beijo na boca, sem língua, mas com muito afeto. Todo mundo no estúdio ficou olhando, assustado, porque não estava previsto (no roteiro).”
Aquele gesto de amor entre um negro e uma branca (e de extrema cumplicidade de uma atriz com seu colega de ofício), no horário nobre da Globo, deu relevante contribuição para o combate ao racismo. Mas cobrou seu preço.
Nos dias seguintes, quando saiu às ruas, Beatriz Lyra foi criticada e até hostilizada por ter beijado Milton Gonçalves. Algo semelhante aconteceu com o galã Marcos Paulo quando ele formou par romântico com a diva negra Zezé Motta em ‘Corpo a Corpo’, de 1985.
A discriminação racial ainda é um dos maiores problemas sociais do Brasil. As novelas que tiveram casais interraciais ajudaram a combater o preconceito por meio da discussão do tema.