Adeus, quase heroína: Bibi se torna a grande vilã da novela
Transformação da personagem lança dilema moral: é permitido torcer pela bandida?
Em cena de ‘A Força do Querer’ exibida na semana passada, Bibi (Juliana Paes) pede ao marido Rubinho para segurar um fuzil. Sem colocar fé, o bandido propõe um desafio: que ela manuseie primeiro uma pistola.
Sua expressão de ‘empoderamento’ ao segurar a arma é exibida em câmera lenta. Confiante, a cabeleireira mira numa latinha de bebida colocada no alto de muro e atira. Acerta em cheio o alvo. Expressão de deslumbramento toma seu rosto.
A sequência faz parte da transição pela qual a personagem passa nas últimas semanas. Deixou de ser uma esposa enganada pelo homem amado para ser sua cúmplice no crime.
Mais do que isso: ela própria representa um atentado à lei ao ameaçar a major Jeiza (Paolla Oliveira), como se a policial tivesse culpa pelo desvio de índole de Rubinho. Um equívoco de julgamento que representa neurose ou falha de caráter.
E assim começa a nascer Bibi Perigosa. Vilã ou anti-heroína? O público vai julgá-la em breve.
No início da novela, a então estudante de Direito já ousou ao trair o namorado Caio (Rodrigo Lombardi) com Rubinho e assim fugir do estereotipo da mocinha fiel de folhetim.
A seguir, o telespectador acompanhou as agruras enfrentadas por aquela mulher batalhadora a fim de ficar ao lado do marido desempregado, sempre sob a guarda (e a desconfiança) da mãe, Aurora (Elizângela).
Quando Rubinho foi preso, viu-se uma esposa emocionalmente estraçalhada por conta do amor cego pelo homem de sua vida. Ingênua, acreditava na inocência dele e moveu mundos e fundos para prová-la.
Agora, após ser envolvida, ou melhor, deixar-se envolver pela teia criminosa costurada por Rubinho, Bibi exala arrogância e certa malandragem no jeito de falar e caminhar.
Aos olhos incrédulos da mãe, gaba-se dos privilégios oferecidos ao casal pelo ‘dono do morro’. Tomou gosto pelo Estado paralelo, onde é respeitada e protegida por aqueles que atiram sem dó contra a polícia.
A autora Gloria Perez é uma especialista em criar heroínas carismáticas e integralmente ‘do bem’.
Como se esquecer de Jade (Giovanna Antonelli em ‘O Clone’, 2001), Sol (Deborah Secco em ‘América’, 2005) e Maya (Juliana Paes em ‘Caminho das Índias’, 2009)?
Desta vez, a dramaturga desafia os valores do público com uma anti-heroína que exibe rompantes de vilania: dá para torcer por Bibi, mesmo ela se transformando em bandida?
Este é o interessante conflito moral lançado pela novelista aos milhões de pessoas que acompanham a trama de “A Força do Querer” todas as noites.
Novela, como se vê, também é sociologia.