As últimas mensagens trocadas com Rubens Ewald Filho
Mais famoso crítico de cinema e maior conhecedor do Oscar foi afastado da transmissão na TV justamente no último ano de vida
Rubens Ewald Filho completaria sua 35ª participação na transmissão televisiva do Oscar este ano. Mas não houve festa.
O canal TNT decidiu tirá-lo da função de comentarista oficial do mais importante e glamouroso evento de Hollywood por conta de comentários considerados transfóbicos ao referir-se à atriz transexual Daniela Vega na exibição de 2018.
O politicamente correto derrotou o grande especialista na sétima arte, uma enciclopédia viva a respeito de longas, curtas, astros e estrelas, e histórias de bastidores.
Sem Ewald Filho, a transmissão perdeu mais do que informações históricas – faltou charme e aquele divertido (e inconfundível) humor ácido.
Menos de quatro meses depois da 91ª cerimônia do Oscar, o lendário jornalista morreu em consequência de problemas cardíacos agravados por uma queda. Tinha 74 anos.
Em 27.132 dias de vida, Rubens Ewald Filho assistiu a cerca de 38.000 filmes – quase 10 produções por semana. Em casa, costumava acompanhar duas exibições ao mesmo tempo. “Mas sempre de gêneros diferentes para não confundir”, explicava.
Começou a carreira na imprensa escrita. Na TV, trabalhou em várias emissoras. Tornou-se famoso ao dar dicas de cinema em telejornais da Globo. Esse trabalho quase militante em frente das câmeras foi imprescindível para despertar a paixão pelo cinema em milhões de brasileiros.
Como roteirista, ele escreveu novelas de sucesso. Destaque para duas versões de Éramos Seis (uma na Tupi, outra no SBT) e Gina (Globo). Foi também ator, diretor teatral, curador e jurado em festivais, além de ter lançado alguns livros – um deles com receitas de pratos vistos em filmes. Nos últimos tempos, divertia-se ao gravar vídeos para o YouTube.
Em março do ano passado, troquei emails com Rubens Ewald Filho para repercutir aqui no blog o linchamento virtual ao qual ele foi submetido.
"Em 50 anos de carreira e 35 anos de Oscar nunca fui reacionário, sexista, racista ou tive qualquer outra conduta que censurasse a essência do ser humano. Ao contrário, sempre lutei a favor daquilo que é certo, do indivíduo, das minorias e da liberdade de expressão", escreveu.
"O Oscar é longo demais e temos pouco tempo para falar e, às vezes, as frases saem truncadas e usamos palavras erradas. A gente quer ser espontâneo e acaba não se explicando bem. Foi sempre assim e isso me deixa frustrado".
Na ocasião, o icônico crítico de cinema lamentou a superficialidade de produções recentes. “Francamente, é uma pena que a poesia, o romance e o encanto estejam fora de moda.”
Em outra mensagem, dias depois, fez uma confissão: “O mundo inteiro piorou justamente quando a gente pensava que iria melhorar, que teríamos mais liberdade e direitos”.
Seguiram-se outros emails, sempre a respeito de cinema e questões sociais.
No último, ele sentiu necessidade de assegurar a franqueza de suas palavras. “Te garanto que tudo o que escrevo vem do coração e é inteiramente a minha verdade".
Jamais duvidei, Rubens, jamais.