Atacada, atriz critica política agressiva e censura a atores
Fernanda Montenegro diz na Globo que a classe artística tem sido injustamente demonizada pelo governo Bolsonaro
No dia 16, Fernanda Montenegro completará 90 anos. A grande dama do teatro e do cinema enfrenta raro momento de contestação pública em sua longa trajetória.
Ela virou alvo do diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim, apoiador do presidente Jair Bolsonaro. O dramaturgo, que declarou ter sido fã da atriz, a chamou de “sórdida” e “mentirosa”.
O motivo da fúria verbal foi uma foto na qual Fernanda Montenegro aparece como bruxa amarrada sobre uma fogueira de livros na revista literária ‘Quatro Cinco Um’.
A inspiração da imagem veio do ataque às mulheres medievais pensantes, vistas como feiticeiras, e do romance distópico ‘Fahrenheit 451’ (daí o título da publicação), lançado por Ray Bradbury em 1953, a respeito de uma sociedade com governo ditatorial que proíbe os cidadãos de ter livros a fim de manipulá-los.
Enquanto Alvim afirma que os artistas de direita, como ele, são vítimas de intolerância, Montenegro critica os ataques bolsonaristas contra a classe artística – predominantemente de esquerda.
“Nossa política às vezes é tão agressiva, ligada a uma censura ideológica, política, religiosa”, declarou a atriz no Conversa com Bial, na madrugada desta sexta-feira (4).
“A censura maior está na cultura das artes porque (certos políticos) têm medo da liberdade de expressão. Sem liberdade de expressão não há arte nenhuma. Nada, nada, nada.”
Ainda no bate-papo com Pedro Bial, Fernanda Montenegro rechaçou as acusações genéricas de que artistas usam indevidamente as verbas governamentais de incentivo à produção cultural.
“O ator é tão poderoso que, quando há crise na cultura, ele leva sempre a culpa. Nessa crise da Lei Rouanet, sobrou para nós, atores. A ripa é no ator, na atriz.”
Bolsonaro demonstra cumprir uma cruzada particular contra a política de incentivos fiscais que possibilita empresas (pessoas jurídicas) e cidadãos (pessoas físicas) aplicarem parte do imposto de renda devido em ações culturais.
Durante transmissão ao vivo no Facebook, em abril deste ano, o presidente chamou a Lei Rouanet de “desgraça” ao afirmar que o recurso foi usado para “cooptar a classe artística e pessoas famosas” com o objetivo de defender governos de esquerda na mídia.
Em momento mais descontraído do talk show, Fernanda Montenegro comentou a respeito de sua lucidez. “Herdei a sorte de não estar gagá.”
Em comemoração às nove décadas de vida, a atriz acaba de lançar o livro de memórias ‘Prólogo, Ato, Epílogo’ (Companhia das Letras), escrito pela jornalista e dramaturga Marta Góes.
Na TV, a atriz atua desde 1951, quando estreou em teleteatros da TV Tupi Rio. Desde 1981 participa de novelas e minisséries na Globo.
Em 2013, ela venceu o Emmy Internacional pelo especial de fim de ano (depois transformado em série) Doce de Mãe.
Sua aparição mais recente foi na primeira fase de A Dona do Pedaço, no papel da matriarca de matadores Dulce.