Bate-boca visto ao vivo na GloboNews faz bem ao jornalismo

Trem lotado, ônibus cheio, metrô abarrotado. Como o cidadão comum consegue manter o recomendado distanciamento social ao se deslocar para o trabalho? E essa mesma pessoa, obrigada pelo senso de sobrevivência a correr risco de contaminação pela covid-19 no dia a dia, pode ser criticada por ter participado de aglomeração nas festas de fim de ano?

Essa discussão provocou atrito entre os comentaristas Demétrio Magnoli e Gerson Camarotti na edição de sexta-feira (1) do Em Pauta, na GloboNews. O jornalista e sociólogo iniciou argumentação dizendo conhecer pessoas privilegiadas que passaram “meses em seus sítios particulares, suas chácaras, trabalhado online, à distância”, cumprindo o distanciamento social orientado pelas autoridades.

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"Milhões de pessoas foram para as praias populares de São Paulo depois de passarem o ano inteiro se aglomerando porque tinham que se aglomerar para trabalhar nos setores essenciais", disse o sempre provocativo Magnoli. "Eu quero perguntar para o Camarotti: você diria que ele é execrável depois de passar um ano inteiro se aglomerando nos trens para trabalhar em setores essenciais porque ele agora se aglomerou na Praia Grande?".

Habitualmente imperturbável, Camarotti se exaltou ao ser contestado. "Você que tem que responder a essa pergunta. Você tem a recomendação da ciência, e a ciência tem que ser para todos. Lógico que tem que ser para todos, Demétrio. Você é que tem que responder. Bota a palavra na tua boca e responda como você achar melhor", devolveu o comentarista político, visivelmente irritado.

"Não dá para ter exceção. É compreensível a situação social do País, você sabe disso, eu sei disso, conheço bem essa realidade, é preciso levar isso em consideração, mas uma coisa é trabalho e sobrevivência, outra coisa é festividade. É preciso ter bom senso também, Demétrio", completou.

A âncora Cecília Flesch tentou interromper a discussão, sem sucesso. "Não existe só uma ciência chamada epidemiologia", replicou Magnoli. "Existe uma outra ciência chamada sociologia e uma outra chamada antropologia". A apresentadora cortou o debate. Talvez tenha sido orientada pela direção do telejornal a suavizar o clima tenso.

Em nome da pluralidade de pensamento e do contraditório no jornalismo, perdeu-se a oportunidade de ampliar a narrativa sobre aglomeração para tentar entender o que faz uma pessoa ciente dos riscos à própria saúde se colocar em situações perigosas como festa clandestina e praia lotada. Anti-Bolsonaro, Demétrio Magnoli costuma criticar o negacionismo do presidente e defender as orientações de médicos e cientistas.

Neste caso, ele tentou, aparentemente, compreender o brasileiro exposto involuntariamente ao coronavírus no cotidiano das grandes cidades e que buscou 'se aliviar' no Natal e Réveillon - comportamento potencialmente nocivo a si e à coletividade, sem dúvida. Sob a ótica jornalística foi interessante assistir a esse contraponto 'politicamente incorreto'.

Fácil demonizar a pessoa que fura o distanciamento social por quem que se locomove com veículo próprio, táxi ou carro de aplicativo, ou pode trabalhar de casa. Demétrio apresentou a realidade daqueles que não têm essas escolhas de autopreservação. Fez um exercício sociológico. Obviamente, as regras de prevenção recomendadas pela ciência devem prevalecer, como pondera Camarotti.