Boechat dignificou banalizado título de âncora de telejornal
Jornalista deixa como legado a maneira destemida de opinar e criticar
Em 2006, quando Ricardo Boechat foi escalado pela direção da Band para assumir o principal telejornal da emissora, ele admitiu ter se sentido inseguro.
O jornalista já tinha 53 anos e temia que um possível fracasso antecipasse o fim da carreira.
O temor ficou registrado em vídeo exibido no Brasil Urgente de segunda-feira (11), horas após a morte dele em consequência da queda do helicóptero que o trazia de Campinas (SP) para a sede da emissora, no Morumbi, zona sul de São Paulo. No acidente morreu também o piloto Ronaldo Quattrucci.
Boechat, que antes ocupava a função de comentarista do Jornal da Band, logo se destacou no comando do jornalístico. Não era um simples apresentador, e sim um âncora. Há relevante diferença.
O apresentador de telejornal apenas lê as notícias no teleprompter e pouco participa da pauta, produção e edição. Além disso, quase nunca se expõe, não emite opinião fora do roteiro.
O âncora é, essencialmente, um repórter em ação do começo ao fim da edição do telejornal. Ele sugere reportagens, indica entrevistados das matérias, acompanha a montagem do ‘espelho’ (o script onde estão listadas todas as notícias a serem exibidas) e, por fim, complementa os VTs com comentários.
Sem autocensura, Ricardo Boechat usava o espaço privilegiado diante das câmeras para ser o porta-voz da indignação do povo.
Criticava com veemência políticos de todos os partidos e ideologias. Ironizava a incompetência do Estado. Revoltava-se com a corrupção, a violência e a hipocrisia.
O jornalista, de 66 anos, nunca demonstrou medo de desagradar. Esse destemor fica como maior lição aos colegas e jovens comunicadores que nele se inspiram.
Ele fez jus ao título de âncora, usado tão equivocadamente hoje em dia por muitos sem talento ou coragem para tal função.
Emergido da imprensa escrita no Rio da década de 1970, Boechat era o que se chama de jornalista completo: escrevia para jornais e revistas, fazia rádio e TV.
Sempre com sua assinatura inconfundível, um jeito personalíssimo de noticiar e repercutir. Ríspido às vezes, debochado em muitos momentos, com a autoridade de quem está do lado da razão.
Tão sincero que não escondeu do público a depressão que o abateu por algum tempo.
Falar do transtorno emocional foi um ato de coragem e uma prestação de serviço num País que dá pouca atenção à saúde mental de sua população.
Sob sua condução, o Jornal da Band ganhou audiência e mais credibilidade.
A morte trágica interrompeu sua vida, mas mantém intacto seu exemplo como profissional.
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