Boechat relatou drama da depressão em sua última entrevista
No canal de vídeos de seu amigo Eduardo Barão, o âncora contou ter conhecido o “inferno” antes do diagnóstico e tratamento da doença
Sincero, como sempre. Assim se mostrou Ricardo Boechat na última gravação em vídeo antes do acidente de helicóptero que o matou, aos 66 anos, na segunda-feira, dia 11.
Ele foi entrevistado por seu colega na Band News FM, Eduardo Barão, para o canal de YouTube Barões do Rádio. O vídeo foi postado um dia após a tragédia com o âncora e o piloto Ronaldo Quattrucci.
Boechat falou a respeito de vários assuntos. Criticou o formato “engessado” dos telejornais brasileiros, sem espaço relevante para análises e o debate de ideias.
“Nós não temos a figura do âncora na televisão, que é uma falha no telejornalismo no Brasil”, afirmou. “Aqui, eu, o William Bonner, o (Carlos) Nascimento, o Boris (Casoy) somos ledores de TP.”
TP é abreviação de teleprompter, aparelho acoplado à câmera onde são gerados os textos lidos pelos apresentadores.
“Basicamente, o que o Jornal Nacional faz, o Jornal do SBT, o Jornal da Record, o Jornal da Band, o Jornal da Cultura e tal, é sentar os caras bem maquiados e bem vestidos num cenário bem iluminado”, criticou.
“Ele (o apresentador) lê um texto de cinco linhas, em seguida vem uma imagem, volta pra ele, vê o texto de cinco linhas, vai outra imagem, e a reação do público em casa não encontra correspondência na reação daquele cara, que não reage.”
Boechat tentava vencer o que chamou de “modelagem engessada” do telejornalismo com comentários improvisados no Jornal da Band, ao estilo contundente que tanto agradava os ouvintes do Jornal Band News FM.
Na conversa descontraída com Eduardo Barão, gravada nos jardins do Grupo Band, no Morumbi, zona sul de São Paulo, o veterano jornalista relatou o transtorno emocional vivido em 2015.
“Eu fui perdendo o interesse nas coisas. Fui a Nova York um mês antes de ter o evento, a crise. Não queria fazer nada, queria ficar na cama”, contou.
“A única coisa que eu fazia, com alguma tolerância, era ir a restaurante, mas não pra comer, era para beber. Tomava aquela garrafa de vinho e ganhava meia hora, uma hora de entorpecimento alcoólico, melhorava. O resto do tempo, qualquer coisa que me chamassem pra fazer, ir a um museu, uma loja, passear, era um suplício.”
Ao comentar no rádio e na TV, Boechat sempre optou pelo improviso, sem roteiro. Mas a depressão comprometeu sua capacidade de concatenar ideias.
“Comecei a perder a capacidade que sempre tive de dominar um pouco a oratória, falar com certa facilidade, articular fatos, ou seja, foi uma perda cognitiva. Fui perdendo num grau tal que chegou aquele dia que eu travei, não saía nada do meu cérebro, nada fazia sentido, não tinha lógica.”
Naquele momento dramático, o apresentador precisou ser socorrido pela mulher, a também jornalista Veruska Seibel.
“Fui pro subsolo da Band, meu camarim, chorei, chorei, chorei. Não sabia o por quê. Estava desorientado. Pra resumir, Veruska veio aqui, me socorreu, me levou, ligamos para o meu médico, tentei explicar o que era, não consegui, continuei chorando. Ele disse ‘leva num psiquiatra, você está com um quadro de depressão’.”
Medicado, ele ficou duas semanas afastado do trabalho. “Foram os piores quinze dias da minha vida.”
Com inabalável humor ácido, Ricardo Boechat citou sua falta de fé religiosa para descrever o que enfrentou.
“Eu sou ateu, mas descobri que metade do que a Bíblia fala é verdade. Qual metade? A do inferno. Quando você tem depressão descobre, de fato, que o inferno existe.”