Brasil vira um grande 'Big Brother' que assiste ao reality
Cidadãos em quarentena se distraem com competidores confinados em uma espécie de distopia produzida pela covid-19.
Enclausurados em casa, os brasileiros passam boa parte do dia e da noite diante da TV em busca de notícias a respeito do desdobramento da epidemia provocada pelo novo coronavírus. Procuram também algum entretenimento reconfortante. Entre as atrações mais vistas nas últimas semanas está o Big Brother Brasil 20. O telespectador em quarentena acompanha o elenco 'aprisionado' no programa. Parece trama de filme de ficção científica ou sobre alguma sociedade distópica.
O distanciamento social gera a impressão de que todos nós (217 milhões de homens e mulheres) participamos involuntariamente de um reality show com desenvolvimento imprevisível e sem data para o fim. Essa realidade remete aos estudos do polímata francês Gustave Le Bon sobre o comportamento das multidões.
Na teoria dele, apresentada no final do século 19, quando um grande grupo se reúne ou entra em acordo por algum objetivo — como agora para cumprir o distanciamento social — surge uma 'mente grupal' que se sobrepõe ao pensamento individual. Seria como o Big Brother imaginário que influencia o raciocínio e as ações dos participantes do BBB.
No romance '1984', escrito pelo britânico George Orwell e lançado em 1949, cada casa do País ficcional comandado por um regime totalitário possui uma 'teletela'. O aparelho não é apenas uma televisão a serviço da distração das pessoas. Sua tecnologia filma tudo o que acontece na sala. Regra número 1 imposta às famílias: a 'teletela' jamais pode ser desligada.
Dessa maneira, o governo central chamado de Big Brother (Grande Irmão) a tudo vê e a todos controla. Essa ideia de monitoramento extremo inspirou a criação, em 1999, pela produtora holandesa Endemol, do reality show mais popular de todos os tempos, tão amado e odiado pelo público brasileiro. As TVs de 2020 não flagram o que fazemos (ainda), porém, exercem imensurável influência por meio do teor da programação (ideológica ou não) oferecida por cada emissora.
Participamos hoje de um Big Brother da vida real. Os governos estaduais e o Ministério da Saúde fazem o papel de Grande Irmão, com suas recomendações e ordens. Poderá ir ao Paredão o cidadão que desrespeitar a quarentena. A possível consequência, no lugar da expulsão do programa, poderá ser a tão temida contaminação pelo novo coronavírus e, quem sabe, a morte. Bem-vindo ao futuro disruptivo que já chegou.