Canção de 14 anos atrás previu martírio da pobre Britney
Cantora de ‘Lucky’ tenta se livrar da tutela do pai castrador e retomar as rédeas da carreira após surtos emocionais
Em 21 de fevereiro de 2007, Britney Spears estava no banco do carona de seu Mercedes prata, dirigido por um primo, em um posto de combustíveis de Tarzana, a oeste de Los Angeles. De repente, vários paparazzi da agência X17 cercaram o veículo e começaram a disparar flashes na direção da artista, que havia raspado a cabeça dias antes.
Assustada e, ao mesmo tempo, irritada, a cantora abriu a porta, pegou um guarda-chuva e atacou o carro dos fotógrafos. “Você está bem?”, perguntou um deles. “Foda-se!”, respondeu a pop star, descontrolada. A imagem daquele momento de fúria correu o mundo e se tornou icônica na história da cobertura jornalística da vida de celebridades.
O que se seguiu foi um drama digno de Hollywood. A artista recebeu o diagnóstico de bipolar. A bipolaridade é um distúrbio associado a alterações de humor que vão da depressão a episódios de obsessão. Crônico, não tem cura. Há tratamento com medicamentos e terapia. No ano seguinte ao surto que virou escândalo mundial, Britney perdeu o controle sobre a própria vida.
Seu pai, Jamie Spears, foi designado pela Justiça como tutor. Passou a administrar a fortuna da filha e tomar decisões importantes por ela. A relação entre os dois se deteriorou bastante desde então. Dias atrás, a cantora conseguiu na Justiça que a tutela seja dividida com uma empresa especializada em supervisionar a movimentação financeira de famílias ricas.
Ela vai insistir nos tribunais para tirar do pai qualquer poder sobre seu dinheiro e carreira. Essa e outras polêmicas estão destacadas no documentário Framing Britney Spears (‘Enquadrando Britney Spears’, em tradução livre), produzido pelo jornal ‘The New York Times’, com exibição no canal FX e na plataforma Hulu. A produção mostra que a princesa do pop sofreu não apenas com a perseguição da mídia e o pai dominador: também foi alvo de machismo (inclusive da parte de muitas mulheres), bullying e preconceito em relação à fragilidade emocional.
A novelesca vida de Britney — de conto de fadas à solidão motivada por doença mental — foi prevista em ‘Lucky’ (‘Sortuda’), música do álbum Ooops!... I Did It Again, lançado em maio do ano 2000. A canção conta a história de uma celebridade de Hollywood que, em público, parece ser a pessoa mais feliz do mundo, porém, se sente profundamente triste.
Diz o refrão: ‘Ela é sortuda, ela é uma estrela / Mas ela chora, chora, chora / No seu coração solitário, pensando / Se não há nada faltando em minha vida / Então por que estas lágrimas caem à noite?’ Outro trecho afirma que todos (fãs, imprensa etc.) esperam dela o “sorriso perfeito” o tempo todo. Os compositores foram hábeis em traduzir as recorrentes crises emocionais de astros da música, do cinema e da TV. Ao mesmo tempo, anteciparam o que viria a acontecer com a própria Britney.
No clipe de Lucky, ela tem dois papéis: interpreta a narradora e uma atriz vítima da fama, que está sempre bela e radiante diante dos holofotes, mas termina a noite sozinha e deprimida em seu quarto luxuoso. Após conquistar sucesso e dinheiro, a maioria dos artistas percebe que a bajulação, os bens materiais e os prêmios não garantem felicidade. Muitos sucumbem à depressão e mergulham em vícios. Alguns se autodestroem até a morte. Britney é sortuda por ter sido poupada de uma tragédia iminente.