Chamada de TV Funerária, Globo engrossa tom contra Bolsonaro
Emissora usa o 'Jornal Nacional' e o icônico plantão para rebater provocações do presidente
Em tom crítico e com característico olhar de desaprovação, William Bonner ressaltou logo no início da edição de sexta-feira (5) do 'Jornal Nacional' o atraso na divulgação pelo Ministério da Saúde das informações sobre o número de brasileiros contaminados e mortos pela pandemia de covid-19.
Na primeira matéria da noite, o repórter Vladimir Netto ouviu especialistas em saúde pública, entidades de imprensa e autoridades políticas que reprovaram a demora supostamente intencional na apresentação dos dados oficiais.
Ficou subentendido que a ordem do Palácio do Planalto foi atrasar o boletim diário - das 17h na gestão de Luiz Henrique Mandetta para as 22h na gerência de Eduardo Pazuello - a fim de evitar destaque negativo à imagem do governo no 'JN', telejornal que registra médias acima de 30 pontos desde o início da cobertura a respeito do novo coronavírus.
A âncora Renata Vasconcellos destacou duas declarações de Bolsonaro sobre a questão. "Acabou matéria do Jornal Nacional", disse ele na portaria do Palácio do Alvorada, ao comentar a razão da mudança de horário do comunicado. Em outro momento, voltou a citar a principal emissora do clã Marinho. "Ninguém tem que correr para atender à Globo." Bolsonaro chamou o canal de "TV Funerária".
Bonner leu nota oficial emitida pela Globo. "O público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora. Saberá se age por motivação técnica, como alega, ou se age movido por propósitos que não pode confessar mais claramente. Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados. Porque o jornalismo da TV Globo corre sempre para atender o seu público." O verbo "correr" foi propositadamente usado em ironia à fala do presidente.
Na prática, o retardamento na liberação das planilhas do Ministério da Saúde não afeta o 'JN'. O telejornal passou a usar informações apuradas pelo portal G1 diretamente com as secretarias de Saúde dos estados. Esse levantamento, aliás, costuma ser mais atualizado (e com totalização maior de vítimas fatais) do que o apresentado pelo governo federal.
Além do 'Jornal Nacional', outros telejornais da noite, como o 'SBT Brasil', o 'Jornal da Band', o 'Jornal da Record', o 'RedeTV News' e o 'Jornal da Cultura' também precisarão buscar fontes alternativas sobre os índices da covid-19 no País. Atrações exibidas mais tarde, a exemplo do 'Jornal da Globo' e o 'Band Notícias', terão tempo para exibir o boletim diário do Ministério da Saúde.
Em outra matéria do 'JN' de ontem, o repórter Vinícius Leal destacou críticas a decisões do ministro Pazuello, como a extinção de um serviço de saúde mental a prisioneiros e a demissão de dois servidores que divulgaram nota técnica com orientações sobre saúde sexual da população no período da pandemia, citando circunstâncias em que o aborto é autorizado por lei.
Por volta das 22h, a novela 'Fina Estampa' foi interrompida pela temida vinheta do 'Plantão da Globo'. Bonner surgiu para noticiar os dados divulgados pelo governo um minuto antes. A edição extraordinária gerou manchetes na internet e repercutiu nas redes sociais. O tiro dado pelo governo saiu pela culatra: nunca se falou tanto dos números de mortos e novos infectados.
Essa guerra por informações da covid-19 no Brasil acirra a animosidade entre Bolsonaro e a Globo. O presidente classifica a emissora como seu principal "inimigo" na mídia. Desde que ele assumiu a Presidência, o canal perdeu boa parte das verbas publicitárias do governo e das estatais, e não tem mais o tratamento especial antes recebido de chefes do Executivo anteriores. Aparentemente irredutível, a Globo engrossa cada vez mais o tom crítico ao presidente.