Da Europa, Paulo Coelho vira crítico feroz de Bolsonaro
Escritor "culpou" presidente pela morte de Paulo Gustavo e seu usa prestígio no exterior para protestar
No ano passado, viralizou um vídeo no qual três idosos com sotaque sulista rasgavam livros de Paulo Coelho e jogavam as folhas nas chamas de uma churrasqueira caseira. Eles se diziam revoltados pelo fato de o escritor ter se posicionado contra o presidente Jair Bolsonaro.
“Seu vagabundo, por que não vai para Cuba, Venezuela?”, diz a pessoa que filma a cena. “Canalha, petista, comunista dos infernos”, dispara a mulher diante da câmera do celular. “Ele não é patriota”, afirma o homem do trio. “É um mago de merda”, diz a pessoa que não aparece na imagem. “Não volte mais para o Brasil, o capeta tá te esperando lá”, finaliza o cidadão.
O protesto chegou até Paulo Coelho, radicado na Europa há décadas. Ele retuitou mensagens de apoio de vários leitores e entidades, como a ABL (Academia Brasileira de Letras), do qual é um dos imortais. Em um tweet, chamou os insatisfeitos do vídeo de “neonazistas queimadores de livros” e informou que o episódio havia aumentado a venda de suas obras no Brasil. “Muitos (dos novos compradores) são eleitores do atual presidente.”
Coincidência ou não, a partir daquele episódio, o escritor reforçou oposição a Jair Bolsonaro. “Nada mais velho que a nova política”, opinou, em referência ao estilo de governabilidade do chefe do Executivo. Sarcástico, relatou um episódio com um leitor. “Cruzei com brasileiro — simpático — que me deu “parabéns por apoiar o presidente”. Respondi, sem menor constrangimento: “Isso é a pior ofensa que podia escutar hoje”.
Outra referência negativa a Bolsonaro foi registrada ao postar foto de quando recebeu a vacina contra covid-19. “Que Deus abençoe o pessoal da linha de frente. Os cientistas e profissionais de saúde, obrigados a trabalhar até à exaustão por causa de um presidente ignorante. Viva a Ciência!” Mais um tweet, nova provocação: “Quando os fanáticos dominam um país, o amor se afasta”.
Na terça-feira (4), logo após o comunicado da morte de Paulo Gustavo, o escritor usou o Twitter, onde é seguido por 15,4 milhões de pessoas, para se manifestar com veemência, usando frases ditas por Jair Bolsonaro e subordinados. “Assassinos de Paulo Gustavo: quem dizia “é só uma gripezinha”, “não passa de 200 mortes”, “cloroquina resolve”, “gente morre todo dia”, “lockdown destrói o país”, “máscara nos faz respirar ar viciado”, “eu obedeço o comandante” e por aí vai. Canalhas da pior espécie.”
Esse protesto gerou ampla repercussão na imprensa on-line e em redes sociais. Dividindo-se entre uma cobertura em Genebra, na Suíça, e um casarão centenário em Tarbes, no sul da França, Paulo Coelho aproveita as entrevistas a jornais, revistas e TVs no exterior para criticar Bolsonaro.
O intelectual já fazia isso antes da pandemia de covid-19. Em 2019, ao ser entrevistado pela BBC News Brasil, explicou a razão de se posicionar politicamente contra Jair Bolsonaro. “A essa altura, eu tenho um compromisso histórico e o compromisso histórico é não ficar calado. Eu tenho que falar. Vou perder leitores? Vou. Tenho perdido? Devo estar perdendo? Não sei. Eu não fico contabilizando isso. No Brasil... Mas, fora do Brasil, eu não acredito. Acho que todo mundo está olhando o Brasil neste momento com muita suspeita.”
Em pelo menos uma ocasião, o presidente revidou. Durante live, em setembro do ano passado, Bolsonaro o chamou de “idiota”. Foi uma resposta a um tweet em inglês do escritor no qual sugeriu boicote no exterior aos produtos brasileiros a fim de evitar que o “Christian Taliban” (Talibã cristão) controle o País. “São as campanhas lá fora de boicotar produto brasileiro, feito até por um idiota de um brasileiro, um cara muito conhecido. Não fala o nome dele não que pode dá problema aí, tá certo?”, disse o presidente.
Aos 73 anos, Paulo Coelho é um dos escritores mais famosos e bem-sucedidos de todos os tempos. Seus livros foram publicados em 170 Países e venderam 320 milhões de exemplares em 83 idiomas. Em 2007, fez participação especial na novela ‘Eterna Magia’, da Globo. Por conta de sua visibilidade na mídia internacional, tê-lo como crítico afeta a imagem de Jair Bolsonaro no exterior. Na sexta-feira (7), o imortal voltou a atacar o presidente no Twitter. “Esse governo vai passar. Vai passar como uma pedra nos rins, mas vai passar. Resistam”, postou.
Em razão desse antibolsonarismo, ele tem recebido mensagens negativas e ofensas na área de comentários de seu perfil no Instagram. “Calado é um poeta”, “Politizando a pandemia”, “Porqueira de esquerda”, “Pare de militância”, “Satanista maconheiro”, “Aposente, passou da hora”, “Saia da sua bolha aí e vem morar no Brasil”, “Deixe de falar do nosso presidente, canalha”, escreveram alguns internautas revoltados. Na descrição da página seguida por 2,2 milhões de pessoas, Paulo Coelho avisa: ‘I don’t read messages here’ (Eu não leio mensagens aqui).