De novo no ar, Fina Estampa teve mistério gay nunca revelado
Novela agora reprisada na Globo foi criticada por exibir personagem que reforçava o arquétipo da 'bicha louca'.
Escrita por Aguinaldo Silva, recém-dispensado pela Globo, Fina Estampa voltou à faixa das 21h da Globo ontem, 23 de março, exatamente oito anos depois da exibição de seu último capítulo, o de número 185. A transmissão original foi um sucesso de audiência: média de 39 pontos, a mesma do maior fenômeno dramatúrgico da década, Avenida Brasil (2012), vista atualmente no Vale a Pena Ver de Novo.
As protagonistas Griselda 'Pereirão' (Lilia Cabral) e Tereza Cristina (Christiane Torloni) enfrentaram um ladrão de cena, o mordomo Crô (Marcelo Serrado). O personagem garantiu overdose de humor ao folhetim. Ele guardava um dos maiores segredos da trama: a identidade de seu amante 'hétero' com tatuagem de escorpião no pé direito.
Ao longo da novela, o público e a imprensa elegeram alguns candidatos a namorado secreto de Crô. Um dos mais cotados foi o motorista machista e homofóbico Baltazar (Alexandre Nero). Os dois agiam como cão e gato. Ao mesmo tempo desenvolveram uma amizade inusitada apoiada pelo público. Tanto que a dupla estrelou no ano seguinte a comédia Crô: o Filme.
Diante da alta expectativa pela revelação do par romântico do mordomo tresloucado, Aguinaldo Silva — um dos primeiros militantes gays no jornalismo brasileiro da década de 1970 — decidiu irritar (e frustrar) o telespectador. Na esperada cena do último capítulo, o caçoísta Crô informa ao telespectador que não vai mostrar o amante. Mais uma vez só se vê os pés do tal homem. E assim foi mantido o mistério.
Em 2012, o personagem ficou longe da unanimidade. Muitos grupos gays criticaram o reforço do estereótipo do homossexual escandaloso e ninfomaníaco, alvo preferencial da crítica dos conservadores. O ativista LGBTI+ Agripino Magalhães, de São Paulo, acredita que pouca coisa mudou desde então.
"Os preconceituosos continuam a nos atacar apesar de todas as conquistas de direitos nos últimos anos, como a criminalização da LGBTfobia pelo STF", diz. "Infelizmente, Crô não ajuda a causa. O personagem apenas reforça a ideia absurda de que o homossexual afeminado, cheio de trejeitos, merece ser alvo de chacota e agressão, enquanto o gay másculo deve ser respeitado."