Efeitos toscos em novela derrubam padrão Globo de qualidade
Assassinatos em A Dona do Pedaço renderam sequências constrangedoras que pioram a dramaturgia irregular do folhetim
Foi economia de recursos, pressa ou incapacidade? Difícil determinar a causa da baixa qualidade das duas sequências recentes de mortes na produção das 21h da Globo.
A primeira, exibida no capítulo do dia 6, mostrou o mordomo Jardel (Duio Botta) rolando exageradamente no asfalto após ser atropelado por um caminhão.
O primeiro erro é que, após ser empurrado pela vilã Josiane (Agatha Moreira), o personagem se desequilibra para trás na direção da rua, porém, na cena seguinte, aparece andando para frente diante do veículo.
Depois, ficou evidente a utilização de um dublê com cabelo (ou peruca) diferente do corte usado pelo ator. Ele rolou tanto no chão que lembrou a coreografia de Neymar nos gramados.
Apesar do homicídio ter ocorrido em uma área movimentada, em plena luz do dia, apenas a ex-noviça malévola Fabiana (Nathália Dill) testemunhou a cena. Aliás, ela filmou o flagra com o celular, como se tivesse o dom de prever o assassinato.
Na segunda-feira (12), outro episódio digno de críticas. A sequência da queda do michê Lucas (Kaian Ferraz) do corredor do andar alto de um prédio residencial teve aspecto incrivelmente amador.
O (d)efeito especial usando fundo falso (chroma key) e computação gráfica gerou imagens toscas, sem qualquer verossimilhança.
Pareceu produção de seriados ‘B’ de décadas atrás. A interpretação equivocada do ator – talvez mal dirigido – colaborou para o resultado infeliz. Matéria-prima para muito deboche e manifestações de “vergonha alheia” nas redes sociais.
Quedas semelhantes gravadas há muitos anos, como a de Laurinha Figueiroa (Gloria Menezes) em Rainha da Sucata (1990) e a de Angela (Cláudia Raia) em Torre de Babel (1998-1999), ficaram bem mais críveis.
Aliás, as duas novelas citadas são da autoria de Silvio de Abreu, atual diretor de dramaturgia diária da Globo, responsável pela qualidade dos folhetins.
Em outras novelas assinadas por ele, o telespectador também viu atropelamentos mais convincentes do que o de Jardel.
Dois exemplos: a primeira morte em A Próxima Vítima (1995), quando Paulo/Arnaldo (Reginaldo Faria) foi atingido pelo misterioso Opala preto do serial killer; e a colisão do carro dirigido por Jéssica (Gabriela Duarte) em Agostina (Leandra Leal) em Passione (2010/2011).
Causa estranhamento essa queda no famoso padrão Globo de qualidade no que se refere a cenas de ação. A emissora já produziu grandes momentos do gênero, como explosões, desabamentos e incêndios. A execução vexatória das mortes de Jardel e Lucas em A Dona do Pedaço depreciam a imagem do canal.
Justiça seja feita: a raiz do problema nem está nos efeitos falhos, e sim no roteiro. O autor Walcyr Carrasco cria situações implausíveis que exigem overdose de boa vontade do telespectador.
Ok, novela é apenas entretenimento com ampla liberdade artística, mas a inteligência do público não pode ser subestimada. Na era das imagens hiper-realistas, o noveleiro merece cenas expressivas.
Incongruências à parte, A Dona do Pedaço é sucesso no Ibope. Registra média de 33 pontos – quatro a mais do que a antecessora O Sétimo Guardião, de Aguinaldo Silva.