Em recuperação, Rogéria merece aplausos pelo que fez na TV
'Travesti da família brasileira' ajudou a combater o preconceito por meio da teledramaturgia
Em uma cena hilária de ‘Tieta’ (1989-1990), exibida atualmente no Canal Viva, a elegante e feminina Ninete ‘vira macho’ ao socar a cara de um malandro que passou a mão em seu derrière.
“Tá vendo alguma moça aqui? Meu nome é Waldemar”, esbraveja a nobre senhora, para espanto de todos ao redor. “Ela é homem!”, constata a preconceituosa carola Perpétua (Joana Fomm).
Aquele foi apenas um dos grandes momentos vividos por Rogéria na teledramaturgia. Ela tem o que os franceses chamam de savoir-faire, um dom próprio de hipnotizar as câmeras e os telespectadores.
Nascida Astolfo Barroso Pinto (ela adora brincar com o último sobrenome), a atriz, cantora, apresentadora e show woman, de 74 anos, se recupera de uma grave infecção num hospital do Rio.
A multiartista iniciou a trajetória na TV como maquiadora na extinta TV Rio. Uma de suas principais incentivadoras na carreira foi ninguém menos que Fernanda Montenegro.
Já fez quase trinta trabalhos de atuação diante das câmeras e centenas de participações como jurada de programas, apresentadora de talk show e entrevistada.
A novela mais recente foi ‘Babilônia’, em 2015, quando viveu um ex-militar que se transformou numa vedete chamada Úrsula Andressa.
Oito anos antes, em ‘Paraíso Tropical’, ela ‘causou’ ao jogar uma partida de futebol na praia por conta de sua personagem, Carolina, uma travesti que desafiava o preconceito da vizinhança.
Outro momento marcante foi visto em ‘Lado a Lado’, trama de época produzida em 2013. Rogéria era uma dama da sociedade com humor ácido. “Não precisa ser mulher para interpretar uma mulher”, disse na ocasião.
Rogéria sempre foi bem aceita pelo público. Irônica, se define como “a travesti da família brasileira”. “Só conquista o respeito quem se dá ao respeito”, gosta de repetir nas entrevistas.
Sempre evitou escândalos e a exposição da vida íntima, ainda que tenha revelado alguns episódios picantes. Um deles foi o ménage à trois com um rico casal parisiense, de quem ganhou um apartamento.
Diva, estrelou inúmeros espetáculos aqui e no exterior, além de shows ao estilo cabaré. Deixou seu nome registrado em neon em algumas das casas de shows mais famosas da capital francesa.
No Rio, a performance numa produção ao lado de Grande Otelo rendeu a ela, em 1979, o Troféu Mambembe de Melhor Atriz, um dos prêmios mais respeitados do teatro brasileiro.
Boa em drama e comédia, esteve em cerca de dez filmes. O mais recente, ainda em cartaz, é ‘Divinas Divas’, documentário dirigido pela atriz Leandra Leal.
O longa rememora a trajetória de brilho e dor de homens que ousaram ser mulher e construíram carreiras artísticas relevantes, apesar dos obstáculos impostos por uma sociedade sempre tão intolerante.
Quando questionada se um dia pensou em se submeter à cirurgia de mudança de sexo, Rogéria sempre nega a possibilidade.
“Jamais seria um transexual porque eu amo ser o Astolfo”, deixou registrado na biografia “Rogéria – Uma Mulher e Mais um Pouco” (Editora Estação Brasil), escrita em parceria com Marcio Paschoal e lançada no ano passado.
Homenageada tantas vezes, a artista conta que o maior orgulho que sente é quando anônimos, nas ruas, a tratam por ‘senhora’ e ‘Dona Rogéria’.
Uma prova irrefutável do respeito conquistado com sua postura, o talento e aquelas unhas sempre vermelhas e afiadíssimas.
Como o show não pode parar, os fãs aguardam o completo restabelecimento de Rogéria para vê-la novamente sob os holofotes. Ela ainda merece ser muito aplaudida nesta vida.