Escritor critica “jornalismo rasteiro” de alguns programas
Ronaldo Bressane defende a atuação de veículos independentes em contraponto ao sensacionalismo e às notícias falsas
Jornalista, escritor e professor de jornalismo literário, Ronaldo Bressane (@rbressane) ministra até dezembro um laboratório de escrita criativa na Casa do Saber, em São Paulo. Formando em Comunicação e Letras, ele passou por redações e colabora com jornais, revistas e sites.
Em conversa com o Terra, por e-mail, opinou a respeito da influência das redes sociais no jornalismo, além de comentar as consequências da crise na imprensa escrita.
Bressane contestou a tão propagada imparcialidade jornalística e lamentou a baixa qualidade de certos programas de TV assistidos por milhões de brasileiros.
O jornalismo profissional foi afetado pela linguagem simplificada, para não dizer pobre, das redes sociais?
Embora o meio seja a mensagem, quem trabalha com comunicação sabe que não se pode excluir o mensageiro – o autor – da forma e do conteúdo. Certamente o jornalismo foi influenciado pelas redes, que são hoje, aliás, seu principal campo de propagação. Mas não sei se posso cravar se as redes sociais têm uma linguagem pobre. Tem quem domine as novas possibilidades e crie, por exemplo, stories divertidos, originais e criativos. Há quem saque a técnica de threads do Twitter e encadeie sequências brilhantes. O ótimo jornalismo é poroso a novas abordagens. Veja-se, por exemplo, o jornalismo em quadrinhos, muito praticado em lugares como Alemanha e Canadá (aqui não pegou muito, porque paga-se mal e fazer quadrinhos dá trabalho). Acho que o buraco é mais embaixo: o jornalismo será mais pobre quanto mais pobre for o borderô. Custa muito caro manter durante décadas uma revista como a New Yorker.
Identifica na imprensa brasileira o jornalismo literário associado ao americano Gay Talese, chamado de pai do jornalismo literário, e a outros jornalistas de grandes matérias e perfis?
Sim, claro, na solitária presença da revista Piauí e de outras publicações do IMS (Instituto Moreira Salles), como as revistas Serrote e Zum, além da revista Bravo!, cuja frequência anda meio irregular mas publicou recentemente um ótimo conteúdo. O caderno Ilustríssima (da Folha de S. Paulo) volta e meia solta reportagens longas em que as técnicas literárias são associadas à melhor apuração. O mesmo acontece, mas com menor frequência, em alguns especiais do Estadão. E a revista Época, quando dirigida pela Daniela Pinheiro, também vinha surpreendendo neste campo, como por exemplo a capa do Denis Burgierman sobre o método Olavo de Carvalho.
A decadência comercial da imprensa escrita brasileira, com o fechamento de relevantes jornais e revistas, afeta a qualidade do jornalismo em geral?
Certamente. Há muito mais gente trabalhando por cachês muito menores do que há 10 anos. Isso afeta diretamente a qualidade do texto, das pautas e da apuração. Considero heroicas iniciativas como as da Agência Pública, do Nexo ou do Intercept: jornalismo independente muito bem realizado. Com a Vaza-Jato, o Intercept trouxe para a linguagem jornalística escrita o formato serializado do audiovisual – e foi o primeiro caso no Brasil de um jornal digital que pautou não só toda a mídia como também o andamento da República. E tudo isso sem descuidar do texto, afinal tem na chefia, além de Glenn Greenwald, um craque como Leandro Demori, autor de um excelente livro-reportagem sobre a máfia italiana.
Considera os textos opinativos o melhor meio de sobrevivência do jornalismo?
Não acredito no mito do jornalismo imparcial. (A escritora e jornalista) Janet Malcolm já disse que na própria escolha da pauta o repórter garante um lado. O que importa é de que forma ele caminha por este lado, com que honestidade, com que transparência. E isso só lendo muito, e muitos autores, para ‘curar’ quem informa você. Assim, há muitos cronistas e colunistas que trazem informação e dados muito bem apurados. E eu não sigo os veículos, sigo os nomes. Falando especificamente de jornalistas, acompanho o trabalho de Elio Gaspari, Dorrit Harazim, Eliane Brum, Fábio Victor, João Valadares, Raul Juste Lores, André Trigueiro, Bernardo Esteves, José Roberto Toledo, Camilo Rocha, João Paulo Charleaux, Jamil Chade, Armando Antenore, Fernanda Ezabella, Mônica Bergamo. Colunistas, gosto de Celso Rocha de Barros, Laura Carvalho, Sérgio Augusto, Marcelo Leite, Mathias Alencastro, Bernardo Mello e Franco, Marcelo Coelho, JP Coutinho, Marcos Nogueira, Inácio Araújo, Eduardo Escorel. Cronistas, leio Xico Sá, Antonio Prata, Humberto Werneck, Ricardo Araújo Pereira, Gregório Duvivier, Tati Bernardi, Leo Aversa, Milly Lacombe e o imortal (Luis Fernando) Verissimo. Certamente estou esquecendo alguém, pois a minha dieta é bem generosa. Bem, só pela quantidade de jornalistas e escritores que citei, já dá pra ver que não se pode afirmar que falta gente boa pra ler.
Como escritor e crítico, qual sua avaliação do telejornalismo? A influência da TV é positiva ou nociva ao pensamento do cidadão comum?
A melhor coisa que vi no jornalismo audiovisual dos últimos tempos foi o Greg News (exibido no canal HBO), cuja direção é tocada pelo Bruno Torturra, meu colega durante anos na revista Trip. Embora muito original e muito bem apurado, tem infelizmente alcance menor do que um JN, por exemplo. Mas sou dependente químico da palavra impressa. Não assisto TV há anos; na tela prefiro ver filmes e séries. Então não posso opinar com muita abrangência. Só tenho certeza absoluta de que se o cidadão comum se informa através dos telejornais vespertinos como o programa do Datena (o Brasil Urgente, na Band), eivado de moralismo fuleiro, jornalismo rasteiro e linguagem chula, se informa mal. Não à toa o cidadão comum tem feito péssimas escolhas eleitorais: aliada a tais programas, massivamente sua fonte de informação é o WhatsApp, um meio contaminado de notícias falsas até o último emoji. Informação é poder. Quanto menos informação e cultura tiver, mais oprimido – e mais alienado dessa opressão – o cidadão será.