Ex-GloboNews, Felipe Pena lança o livro ‘Crônicas do Golpe’
Obra reúne textos a respeito do controverso processo de impeachment de Dilma Rousseff
Nesta próxima quinta-feira (31), a partir das 19h, o jornalista e escritor Felipe Pena lança ‘Crônicas do Golpe’ (Editora Record), na Livraria Travessa do Shopping Leblon, no Rio.
Além da sessão de autógrafos, haverá debate com o autor e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. A mediação será do músico Tico Santa Cruz.
Pena foi diretor de análise de conteúdo de teledramaturgia na Globo e comentarista do programa ‘Estúdio i’, na GloboNews.
Hoje, além de blogueiro no site do jornal ‘Extra’, é professor na Universidade Federal Fluminense e editor do site Jornalismo de Resistência.
Em entrevista ao blog, ele comenta a atuação do jornalismo na crise política brasileira.
O livro ‘Crônicas do Golpe’ é um exercício jornalístico ou um ato político?
É apenas o registro de uma época. Um época em que houve um golpe de estado, em que a democracia se esvaiu e as instituições foram desmoralizadas. O golpe não foi apenas político. O golpe foi na cognição pública e nas relações pessoais e profissionais. Este é um livro sobre suas consequências, é um registro dos 12 meses que o sucederam. Sou um estivador de sapatilhas. Escrevo e reescrevo todos os dias, com disciplina, cartesianamente, impondo-me um regime de trabalho como se fosse o senhor de engenho de mim mesmo. Não sou um bailarino clássico, como o (Mário) Vargas Llosa, o (Luís Fernando) Veríssimo ou o (Carlos Heitor) Cony, que também trabalham muito, mas têm os pés naturalmente talhados para o ofício e mostram um talento quase mediúnico ao executar os passos mais sens&ia cute;veis. Ainda assim, preciso calçar as sapatilhas para carregar os sacos de arroz que chegam ao cais do porto, porque se usasse botas não conseguiria dançar.
Na sua visão de jornalista e professor de Comunicação, a imprensa facilitou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Claro que sim. Mas não caio no jargão fácil da imprensa golpista. Nada é tão simplista. Não se trata da simples ideia conspiratória de manipulação deliberada das notícias (embora ela exista e tenha sido usada contra Dilma) sobre esta ou aquela visão política de mundo. Tudo é muito mais complexo, pois a produção de notícias é planejada como uma rotina industrial, com procedimentos próprios, limites organizacionais e, principalmente, consumidores exigentes. Mas até eles podem ser enganados, mesmo que as normas jornalísticas tenham muito mais importância do que preferências pessoais na seleção e filtragem de notícias. No jornalismo, a objetividade não surgiu para negar a subjetividade, mas sim para reconhecer a sua inevitabilidade. Seu verdadeiro significado está ; ligado à ideia de que os fatos são construídos de forma tão complexa e subjetiva que não se pode cultuá-los como expressão absoluta da realidade. Pelo contrário, é preciso desconfiar desses fatos e propor um método que assegure algum rigor ao reportá-los. O jornalismo não é o espelho da realidade. O jornalismo participa da construção social da realidade.
O jornalismo em geral, e o telejornalismo especificamente, precisam fazer uma autoanálise para reconquistar credibilidade?
Creio que poderíamos ter um modelo como o da (emissora americana) CNN, em que os comentaristas são identificados com as posições que defendem. Assim, veríamos o contraditório na TV, coisa que não existe no telejornalismo de hoje, justamente quando ele é tão opinativo e, portanto, necessita de diferentes visões de mundo. No mínimo, deveria haver comentaristas com opiniões divergentes em todos os programas jornalísticos do País. Principalmente em um momento em que discutimos reformas tão importantes, como a trabalhista e a da Previdência. O modelo não é novo. Bastaria pesquisar o que Gore Vidal e William Buckley fizeram na televisão americana na década de 1960, atualizar o formato e colocar no ar. Vidal deixava clara sua orientação política de esquerda e Buckley, a de direita, permitindo que o público soubesse que as opiniões tinham uma matriz ideológica. As divergências são muito mais produtivas do que o consenso forjado e tornam qualquer debate muito mais interessante.
Você trabalhou na GloboNews, que faz parte do Grupo Globo, conglomerado demonizado pela esquerda. Como avalia hoje sua passagem pelo canal?
Entre 2013 e 2015, fui comentarista do ‘Estúdio i’. O programa abrigava debatedores de espectros diametralmente opostos. Discordávamos em quase tudo, sempre muito bem mediados pela brilhante Maria Beltrão. Mas não assumíamos nosso lugar de fala, embora o público percebesse a inclinação de cada um. O fato é que não bastava perceber, o público merecia saber, ou seja, merecia receber essa informação abertamente, sem eufemismos. O modelo Vidal/Buckley cairia muito bem ali. Repito: as divergências são muito mais produtivas e interessantes que o consenso. Mas isso é tão óbvio que eu nem deveria precisar dizer. Qualquer diretor de jornalismo sabe disso.
Nos Estados Unidos, as principais emissoras anunciam abertamente posição ideológica e partidária. Falta essa transparência aos canais brasileiros?
Bastaria seguir o modelo que mencionei. Quem acompanha minha carreira na TV, sabe o que aconteceu quando me recusei a repetir o senso comum produzido pelas redações. Mas não quero fazer disso um campo de batalha. As emissoras têm o direito de escolher os comentaristas com quem desejam trabalhar. Obviamente, ainda gostaria de ter um espaço na TV para expressar opiniões divergentes do senso comum, mas não depende de mim. O modelo CNN de debate, que funciona muito bem ao permitir o diálogo entre opostos, poderia ter sua versão brasileira. Mas, nas emissoras nacionais, não percebo um real interesse em debater. Os comentaristas só concordam entre eles. Não há divergência. E, sem divergência, não é debate, é convenção de cosméticos.
Hoje, qual seu sentimento em relação ao jornalismo?
Continuo acreditando na força do bom jornalismo. Sou, antes de tudo, um repórter. Trabalho com a informação e baseio minhas opiniões no que consigo apurar. Acho que os diretores de jornalismo ainda perceberão que a divergência é o melhor caminho para o debate.
Você também é autor de ficção. Qual roteiro escreveria baseado na história recente do Brasil: drama ou comédia?
Uma tragédia. Entre o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, e a derrocada de Temer, em 2017, as panelas voltaram para a cozinha, o pato amarelo desinflou na porta da FIESP e nenhuma camisa amarela foi vista em desfiles contra a corrupção pela Avenida Paulista, apesar das provas irrefutáveis contra a quadrilha que tomou o Palácio do Planalto. Somos o País da indignação seletiva e do narcisismo das pequenas diferenças (pra usar um conceito de Freud que é muito atual). Essa é a nossa tragédia.
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